2007-05-30

Foi hoje! Podia ter sido outro dia...

Manifesto de intenções

Eu prometo não inventar mais do que posso.
Prometo também escrever…escrever sobre tudo…sobretudo o que não conseguir esconder.
Não tenho pretensões moralistas, nem acredito que alguém precise delas.
Sou novo da idade, de que me quero, sou velho da idade que já tive…E acrescento…
Regulo os dias por horários.
Regulo os dias pela pausas…Entre cada pausa um anseio…
Não durmo enquanto falo.
Nas escadas, se as desço, olho para os pés…Não é visível…
Entristece-me o adeus definitivo, o abalar sem perspectivas.
Não evito confrontos, mas preciso de razões.
Por elas vou lutar todos os dias.
Na indignação, no desencanto vou encontrar motivos para viver.
Prometo não me esquecer.
Vou-me lembrar de ti e de todos os que estiveram comigo.


Greve Geral

Escrevo estas linhas sem ter ouvido a comunicação social. Levantei-me cedo e fui andar de bicicleta, estou de folga. Havia tempo que eu não me sentia tão bem. Benditas sejam, a cremalheira, a corrente, todo aquele conjunto de engenhocas que me permite galgar distâncias, encontrar-me só com as minhas decisões…Parece fácil mas não é...Quando se pedala os caminhos que se escolhem pegam-se ao corpo, pagam-se com o corpo…É preciso saber quanto o corpo vale, fazer a gestão do seu valor…Também para a vida…Durasse a vida cento e oitenta minutos, o tempo de uma volta no campo…
Não estou em greve, estou de folga. Chateia-me não ter sido posto à prova, aferir do meu inconformismo. Nada a fazer, se tenho dúvidas com elas vou ter de ficar. De qualquer maneira é a primeira vez que, enquanto trabalhador sindicalizado, não faço greve.
Não sei se foi um êxito ou um fracasso, da minha experiência estas coisas não se medem como no futebol…”Quem ganhou?”, “O Governo, três zero!”, ou, “O Sindicato, dois a um!”, ou ainda, “Empataram a zero!”, são outras as questões. Estamos ou não treinados para ver esta coisa das greves como coisas de comunistas? O que é ser comunista? Quantos de nós leram Marx ou Lenine? Confesso que li pouco.
Percebo no entanto o sonho dos incógnitos, a necessidade de justiça de quem não se evidenciou, obviamente e por definição, a grande maioria.
Entendo a greve como uma medida de protesto, um medir forças com o poder, com todas as consequências que possam devir desse facto. Assusta-me a represália, o despedimento, a exclusão social dos desempregados, a culpa do insucesso, a culpa é nossa! De quem mais haveria de ser?
Hoje, dia trinta de Maio de dois mil e sete, houve com certeza gente corajosa, gente que fez por nós o que gostaríamos de ter feito…Mas não fizemos…Quando nos falta a coragem tão fáceis são as desculpas…Não interessa se são comunistas, istas…Interessa saber se acreditamos no caminho ou se estamos lá apenas por que nos falta a garra, medo de acreditar que haja outras soluções.
Amanhã tudo voltará à normalidade. De alguma forma vamos esquecer isto tudo e trabalhar para os novos impostos…”Sim! A electricidade é mais barata em Espanha.”, “Os professores na Escócia ganham três mil e seiscentos euros.”, “Sim, fomos mal governados e por esse motivo estamos a pagar mais que os outros…Isto não era preciso sermos Espanhóis, bastava-nos um Rei, ou talvez Salazar…Quem sabe…”.
Perdeu-se a culpa, na curta memória do último fim de semana já não se sabe quem lixou isto tudo. Foi Salazar, foi a democracia, os anos comunistas do PREC, os anos socialistas, a AD, o PSD, o PS, novamente o PSD agora com o CDS, novamente o PS…Talvez os Portugueses…Em última análise esses serão os culpados…Sim! A maioria de nós vai pagar por isso.

2007-05-26

Para além do Tejo

Espelho, espelho meu, existe alguém mais burro que eu?
Eu nasci para ser cão, não um burro! Cabrão de espelho…Que teimosia em duplicar-me com orelhas grandes, espetadas, olhos grandes, negros, estúpidos.
Costumo ladrar desencontrado com os outros, para me ouvir, para afinar o meu gemer canino, fazer-me de cão. São cascos senhora, são cascos, as extremidades que me unem ao chão e embora eu esteja convencido de que estou a uivar, será a voz de um burro o que de mim sairá…Eu até já estou habituado à ideia, desiludido mas habituado, acomodado.


Hoje é o deserto, alguém que me alerta, “Vives num deserto, não tens hospitais, não tens escolas, universidades, comércio, pessoas…Não existes e assim vais continuar, nómada da minha indiferença”. Obrigado Sr. Ministro, agradeço-lhe pelo que tenho de mais sagrado, a sua falta de atenção, a sua insensibilidade, a sua falta de educação. O que somos nós a Sul do Tejo, aquele terço de Portugal que se estende até ás praias do Algarve onde tudo muda?
O Sr. Doutor Almeida Santos é peremptório, venham os terroristas, destroem-se as pontes e pimba, toda a segurança nacional fica ameaçada…Ou Ota ou morte!
Espelho, espelho meu existe alguém mais camelo que eu?
Não tenho particular apreço por aeroportos e aprecio o esforço dos responsáveis governativos por me confundirem com a paisagem, sou apenas aquela coisa à beira da auto-estrada ou por detrás da colina…Lá mais dentro no planalto ou do outro lado, para junto do Oceano Atlântico.
O engano, a inconveniência, o deslize, o fugir a boca para a verdade. Desta vez não me posso queixar, são eles próprios que o dizem, país pobre, de baixos salários, que precisa de flexibilizar-se…E tanto que nós temos sido flexíveis…
Há quem diga que estes momentos de reflexão, em que são apanhados os nossos ministros, são perfeitamente normais. Pela minha parte considero-os úteis, quase as anotações de Napoleão no “O Príncipe” de Maquiavel. Aprende-se muito nas entrelinhas.



Eu que nasci para ser cão acabar assim, burro de burrice inteira, asno assumido, instrumento de carga de mercadoria desconhecida.
Também já me explicaram que não é obrigatório o crescimento económico ter reflexos na vida da maioria dos cidadãos, que o serviço nacional de saúde foi sabotado por terroristas internacionais, os mesmos das pontes sobre o Tejo (eles andam ai!...) e que a sua reconstrução vai ter a minha contribuição, se entretanto não me despedirem, ou dispensarem, ou desligarem…Parvoíce…Eu sou um burro e os burros não se desligam…Abatem-se!
É isso mesmo! Sinto-me como um burro…A presidência europeia, a presidência da rosa, as pétalas simbolizando os países da união sobre o azul do mar…
E eu burro com pretensões a cão, ladrando, zurrando…Acudi ao paço Real que matam o burro!

Foi o comentário da semana pelo inventado repórter Paulo Guerreiro, enviado especial no deserto para além do Tejo.

2007-05-16

E se tudo não passasse de um sonho?




Na Paróquia tudo está calmo. O Padre Miguel parou o carro no parque. O parque está vazio como sempre se encontra à hora da sesta. Deixou-se ficar sentado, de mãos agarradas ao volante, o motor ainda a trabalhar. Na rádio as notícias das duas terminaram. O locutor anunciava agora que o programa iria continuar com música. Tirou a chave da ignição com o intuito de eliminar ruídos. Os sinais luminosos no painel de instrumentos desapareceram, desapareceu também a indicação que o avisava da necessidade de encher o depósito. Levou a mão ao bolso à procura da carteira, quarenta euros em notas de dez e um papel de Multibanco evidenciando um saldo diminuto, maldito ordenado que mal chega…Dinheiro divino mas curto. Saiu do carro e fechou a porta com cuidado, procurou no comando o botão do fecho centralizado e activou-o. Ouviu o ruído automático das trancas. Deixou que o olhar acariciasse a viatura comprada em segunda mão, um Seat Leon em muito bom estado, um favor ao Sr. Padre. Nunca um objecto lhe tinha dado tanto prazer…
Junto ao passeio que cercava o parque, encontravam-se flores cuidadosamente plantadas pelos jardineiros da autarquia. Agora, na primavera, e depois da poda que as fez rejuvenescerem, perfumavam o ar e coloriam a atmosfera. Sentiu-se tentado a colher uma, que diria a dona Rosa se o visse de flor na mão, será que perceberia a nostalgia do gesto, a alegria infantil, a libertação da mente em relação aos dogmas, a atitude simples de um homem que também foi criança, ou antes acharia o acto despropositado, estragar assim o jardim da igreja, logo o Sr. Padre, “Olhe lá Padre Miguel, o senhor sente-se bem?”.
Se a dona Rosa estivesse lá para o questionar e se ele tivesse colhido a flor poderia responder-lhe que sim, que o cheiro daquela flor na sua mão lhe tinha trazido um enorme conforto. Não a colheu e entrou triste no pequeno átrio que antecipava o local de oração. Benzeu-se num gesto automático que hoje não tinha significado de motivação, apenas respeito ensinado. Sentiu vontade de chorar, sentiu o peso dos seus cinquenta e dois anos de idade, trinta anos de paróquias, de jovens raparigas que o tentaram, de velhas que o enjoaram, benzeu-se novamente perante o pecado do pensamento, o lamento, já não tinha idade para dúvidas…
…”-Faz-me o favor de um retorno certo. Eu espero, tu sabes que eu espero, sempre esperei…Amanhã? Porque não?!
-Serás capaz de aguentar as minhas demoras? As indecisões próprias de quem não tem certezas?! Será o teu amor tão grande que roce a imbecilidade?
-Dúvidas tu da minha capacidade para me anular, para te amar, incondicionalmente?....
-Duvido que te dures eternamente escravo, escravo de mim que não quero ser tua dona.
-Que provas te posso eu dar? De tudo eu desisto…Desisti…Resta-me a tua presença, as tuas palavras, o som delas materializando-te, o ter cheiro, tu…
-Doentio esse amor que construíste. Não posso continuar a ser personagem nessa história, nunca poderei garantir um final feliz para a tua vida.
-E quem pode?...
-…Nem tão pouco a esperança que tal pudesse suceder.
-Nunca te pedi isso, apenas que me deixes sonhar, sonhar este amor que não existe, se necessário morrer por ele…
-Não sejas trágico, patético.
-Não é necessária a ofensa.
-Tu obrigas-me a ser assim. Eu não gosto de ser pressionada…Gostava de poder ser tua amiga…
-Tu és minha amiga, a minha maior amiga…Terei culpa de amar a minha maior amiga.
-Não terás culpa do amor mas por ele a amizade pode ser destruída…Se não o foi já…”
Sim…Nessa altura teve dúvidas…Não tivesse havido a recusa e a vida teria sido diferente…Qual o problema da idade, o que são quinze anos quando se ama…Ele dezassete, ela trinta e dois, madura de dois filhos e três relações frustradas…
A quem se confessa um Padre?
O Padre Miguel não vai ouvir confissões, hoje não é dia para essa tarefa, penosa tarefa de ouvir os outros pecarem por ele, pecados pequenos, outros maiores, mas nunca de mortes ouviu testemunho.
Miguel hoje não se sente Padre…Sente-se criança, com saudades da terra, o cheiro lembrado que faz chorar, o cheiro que nos guia quando a vista nos engana…
Sentou-se na primeira fila, defronte ao altar, à Cruz, Cristo que não está lá mas se pressupõe…Que interessa se existiu…A história existe e é Linda, Bela, Pura, o limar dos Evangelhos na unificação factual, o clímax da virtude e do sacrifício, a declaração carnal da existência do Supremo, do Divino…
Quantas vezes falou em seu nome?...
“De que falei eu?...E se tudo não passasse de um sonho?...De quem este corpo que eu comi, este sangue que eu bebi, esta memória que não me deixa fugir?....”
Na pia santa a água benta convida-o à penitência…Penitência…
…Ainda tem o número da irmã…Penitência…
O Miguel não vai ser Padre esta noite…

2007-05-07

Declaração




Por detrás o sol nasce cinzento
Reflexo polido
Esfera afagada.
Por fora o brilho que ofusca
A luz que não mostra
Contorno apagado.

Tenho o contorno na mão
No papel que o lápis suja
No meu dedo na areia
Na projecção da minha sombra
Na assinatura do poema.

Cresce
Criança velha
Da vida
Cresce
No sentido decrescente
No lugar poente
Para onde tudo cresce.

Cresce e perdoa-te
Porque crescer é pecado para ser perdoado.


O sol que nasce mudou de cor
Cinzento sou eu se não a souber
Olhando para ti
Minha flor
Meu amor.

Toca-me ao de leve
Leva de mim um bocado
Deixa de ti o que puderes
Para eu poder tocar-te.

Hoje vi a cabeça de um passarinho
Morto
Na primavera da minha rua
Na distância da árvore.

Hoje foi ele
Não fui eu
E eu estou feliz por mim.

Vou poder chegar a casa
E dizer que te amo.

2007-05-03

Fim de Semana

Teatro de sombras, ao Sul









Barragem, prisão de água
















Alentejo Vermelho, sonho ou alucinação?
(fotografias editadas pelo autor, barragem de Odivelas, Baixo Alentejo)