2007-12-14

O Automóvel IX

A carrinha atravessa a ponte 25 de Abril, sai de Lisboa e brilha, brilho de pintura metalizada que não veio de origem, brilha com o sol que pode ser de Verão, ou talvez não. O velocímetro regista o cuidado do condutor, sessenta quilómetros por hora. A distância de segurança que separa a carrinha do carro da frente é cumprida. O rádio está ligado, sem palavras supérfluas, só as canções têm direito a elas. A ponte já lá está, para trás, no sítio onde o passado guarda as coisas. Os pneus esborracham-se no asfalto procurando aderência. O ruído que eles provocam é contínuo, registo agradável que denuncia o contacto com o solo. A estrada é estreita, ladeada por árvores de tronco grosso, é noite e as luzes da Toyota procuram o caminho no meio da serra, guiam o corpo metálico pela estrada sinuosa, subida íngreme e constante. O Zé não conduz o carro. Vai no banco de trás, embrulhado numa manta. Está a dormir e agarra um cowboy mascarado de roupa azul clara. O cowboy ainda tem na mão o seu revolver, mas os seus vinte centímetros de altura não o ajudam na tarefa protectora. Para dizer a verdade é o Zé que proteje aquele homem armado de andar aos safanões dentro da carrinha. A carrinha que chega ao parque em frente à praia. A curva que rodeou as piscinas deixou-se ficar insinuando a saída. O mar está bravo, a espuma castanha revolta a areia espalhando-a com impulsos vários. O Zé sai da carrinha e corre para ao pé do pai, agarra-lhe a mão. A mãe olha para os dois e ri-se. O riso fica e dilui-se.
Xana entrou na cama devagar. Deixou que o corpo magro daquele homem se moldasse com o seu. Deixou que ele lhe chamasse mãe, acariciou-o, guiou-lhe uma das mãos para os seus seios e apertou-a. Diverte-a o facto do Zé não saber o que faz. Tão frágil, tão puro, tão diferente dos homens que conheceu, que conhece. Encaixou um dos joelhos do Zé entre as suas pernas, sorri satisfeita enquanto meneia as ancas com volúpia. Ele sonha, pede-lhe coisas que ela não percebe, não quer perceber. Perante os movimentos da mulher ele estende-se e encolhe-se em convulsões. Ela deixa-se embalar no desassossego do homem. Quase sem querer tem um primeiro orgasmo. Aperta-o um pouco mais e solta um murmúrio que não chega a gemido. O Zé continua sonhando, está bêbado e uma rapariga tenta despi-lo, ele resiste com pouca convicção. Sonha que ela lhe toca no sexo, agarra-o possessiva, movimenta-o, aumenta o ritmo. Sonha que a manda parar, grita-lhe para parar, tarde demais. O Zé acordou ainda a mão de Xana repousava, flácida, sobre o seu sexo de homem, despreocupada dos fluidos que provocara. A vergonha, o embaraço.

- O que aconteceu?
- Beija-me!
- O que é que fizeste?
- Beija-me!

O Zé obedeceu ao pedido, à ordem. Nunca se tinha sentido tão submisso. O beijo foi longo, Xana prolongou-o com carinho, depois adormeceu. Ele ficou sem sono. Estará ainda a dormir, belisca-se e solta um ligeiro gemido de dor, não era preciso exagerar. Até de madrugada não vai conseguir adormecer e só o barulho de viaturas em bruscas travagens e a porta do quarto a ser arrombada o fizeram levantar da cama.

(cont.)