2009-12-23

Natal

Sem necessidade de ser violento. Falar do Natal como se falasse de paz. Oferecer a ceia e desfrutar da companhia dos familiares. Olhar para as luzes e ver apenas as luzes, as luzes multiplicadas pelas ruas de lojas, todos esses apêndices luminosos que nos confortam o coração, que nos escondem da escuridão, do medo de ficarmos sós quando todos gostam de todos.


Sem necessidade de mentir como se falasse verdade. Deixar que os olhos consumam tudo aquilo que é feito para consumir. Também o sonho porque é do sonho que eu falo. O sonho que se alimenta e que existe nas crianças. Acreditas no Pai Natal? Responder como se respondesse a um teste. Ainda acreditas no Pai Natal? Responder como se estivesse num tribunal. Eu já não escrevo cartas, não sei o que pedir. Portei-me bem Pai?


Sem necessidade de ser grosseiro. Lembrar-me do pinheiro cortado comprado junto às grades da estação de caminho de ferro. O pinheiro que entrava no balde forrado de cores garridas. O balde que se enchia de pedras. Tanto que eu gostava de apanhar as pedras. São suficientes? Do tamanho certo? Obrigado Mãe!


Sem necessidade de jantar e de abrir prendas. Falar do Natal como se falasse de amor, do gosto que tenho em estar com vocês, mesmo que o vinho me faça tropeçar nas palavras e que as palavras falem da vida, da que foi, lembras-te, da que virá, esperemos, da que é e que temos de aproveitar.


Amanhã não será Natal e eu encherei o balde com laços e papéis. Para alguns será uma medida de sucesso. Tenho medo de deixar ir o Natal embrulhado em tantos laços e papéis.

A todos um bom Natal!

2009-12-11

Rotinas

Na porta umas verrugas imensas, a rugosidade dos anos, e eu sem tocar, sem saber se tocamos, eu e as minhas mãos, com medo de ficarmos velhos, velhos como aquela porta.
Distraio-me da porta e fixo-me nas paredes, também elas velhas, sujas, húmidas, verdes, cinzentas, negras, de bolores intemporais. O sangue escorre-me frio, para os pés, e eu penso em água quente, água muito quente, penso no leite da minha mãe, no café da manhã, na manta que tenho na sala, na cama quando tu estás e eu estou.
Agora sim a janela, a janela com vidros, vidros partidos e sujos que deixam passar o frio e tapam a visão. A janela que podia ter sido o que tudo o resto não foi, e eu ali, parado, sem saber, toco, não toco.
Volto-me e encontro o caminho que percorri. Tão complicado voltar atrás quando só a cabeça volta. Arrisco uma simulação, uma finta, uma vénia traiçoeira. Arrisco convencido que estou a arriscar, arrisco sem saber que já tinha aberto a porta.
E no entanto a piscina está lá, toda aquela água que eu devoro três vezes por semana, todo aquele esforço para me cansar, uma, duas, três…Vinte, vinte e uma, vinte e duas…Oitenta…Cem…Para! Eu paro! Não estou convencido mas paro.
O vapor, os azulejos quentes que me escaldam a pele, seis metros quadrados que me lembram a asma, a janela aberta, eu a querer respirar, a querer voar, a querer viver.
Esqueci-me da porta, hoje não vou pensar mais nela. Não vou pensar mais na porta.
Não vou pensar mais na porta nem nas paredes…
Vou esquecer a janela e o caminho que me trouxe mas que não me pode levar para trás.
Só assim faz sentido ter-me cansado.