2011-08-24

Assertivo

ASSERTIVO:

assertivo (Lat. assertivu),adj. que encerra asserto; afirmativo.

asserto (Lat. assertu), s.m. asserção; afirmação.

asserção (Lat. assertione), s.f. proposição que se apresenta como verdadeira; afirmação; asseveração; alegação.

afirmação (Lat. Affirmatione), s.f. acto de afirmar; asseveração, declaração peremptória;

Eu afirmo!
Serei assertivo?
E se afirmar uma mentira, será a minha mentira uma declaração peremptória?
Decisiva será se for terminante, se nela encerrar a convicção de quem engana.
E se mentir convicto de afirmar verdade?
Será a minha afirmação uma asserção?
E a minha atitude?
Terá ela a assertividade que se reconhece nas pessoas honestas?
Será honesta a pessoa que não confirma as suas afirmações?
E se essa pessoa confirmar incorrectamente, se basear as suas afirmações numa mentira bem contada, numa mentira que é geralmente aceite como verdade sem que disso tenha consciência?
Poderei eu respeitar os outros apenas pelo facto de afirmar sem alienar, sem influenciar?
Sempre quis ser assertivo, homem de bem, homem de proposições que se apresentam como verdadeiras, mesmo quando não o são.
Sentado à mesa, uma mesa comprida, rectangular, de frente para um grupo de homens austeros, rígidos, implacáveis, inflexíveis. Sentado à mesa, deste lado, do lado de cá. Comigo estão outros homens, também eles rígidos, tesos, como se diz dos homens que vão à luta, que arriscam o pouco que têm pelo muito que todos possam ganhar.
Sentado à mesa espero a minha vez. Alguns tópicos num papel, a convicção de que tenho razão. Os tópicos que também são as minhas razões, as razões que esperam por se afirmar.
Por cima da mesa ouvem-se afirmações, asserções, declarações, de um lado, do outro, num jogo de esgrima, como se as palavras de uns procurassem a sua verdade nas incertezas dos outros, nos outros termos, nos outros homens que os dizem.
Conseguirei eu ser assertivo, repousar a minha verdade de forma conclusiva, definitiva, como se nada mais houvesse para dizer, ou melhor, afirmar.
Sim, eu proferi afirmações, verdades que sendo minhas estão de acordo com as verdades dos outros, ou não? Eu julgava que sim, assim como eles. Eles que procuram as imperfeições das minhas afirmações, que tentam destruir a minha assertividade, num duelo de verdades, as deles, as minhas, verdades que se cruzam de tempos a tempos, um ligeiro roçar de sílabas, um partilhar de conceitos desgarrados sem que isso se torne compromisso.
Entrei no jogo, entrei para perder, o jogo de assertividades contraditórias, eu sei que não tenho toda a razão, eles também não a têm e sabem-no. Poderemos ficar pelo meio, menor denominador comum, que o maior seria pedir muito, seria?
A meio do jogo o resultado é incerto, mas eu tenho algumas certezas, a certeza de que não vou conseguir tudo o que pretendo, a dúvida de que talvez consiga alguma coisa, uma declaração favorável, algo a que me possa agarrar, uma verdade que seja comum, uma no meio de todas as outras que não o são.
O jogo está a chegar ao fim, a mesa está cheia de garrafas de água, cheia de assertividades inconsequentes, cheia de verdades que de tantas vezes ditas perderam objectividade.
Podemos fazer a acta da reunião, que afirmações podem ficar registadas? O silêncio que ocupa aqueles breves segundos…Será altura de fazer mais afirmações?
Faz-se um esboço, depois cada um lê e lá para o final da semana sairá a versão definitiva que de tão consensual nunca será assertiva. De um lado ficará a nossa verdade do outro a verdade deles, no meio, o que conseguirmos aproveitar…
Amanhã ir-me-ão perguntar, “Então correu bem? Conseguiram o que tínhamos decidido no plenário?”, “ Não!”, seria esta a asserção, mas não posso fazê-lo, não devo fazê-lo, e tanto que eu quero dizer “Não!”. Vou-me deixar levar pela demagogia, fazer uma festa com uma mão cheia de nada.
Vale a pena lutar? Claro que vale! Para saberem que não somos uns” merdas”, podem mandar na gente mas não nos fazem de parvos.
Somos parvos!
Serei eu assertivo quando digo que somos parvos?
Pelo menos é uma afirmação.
Ou será a confissão de um estado de espírito?
Tudo isto afirmei, verdades da minha verdade, a assertividade possível, a que me foi possível. Terá sido suficiente?
Para mim foi.

2011-08-23

Hoje pressionaram-me imenso! Começaram de manhã. Pressões de vogal, a primeira da lengalenga, o “a”, maiúsculo ou minúsculo, pouco interessa.
Sou um teclado, um teclado comum, de plástico, letras pretas em fundo branco, letras que são símbolos e símbolos que não são letras, emblemas de outras literaturas.
Sou pressionado de manhã e de tarde, tenho um horário fixo. Teoricamente isso corresponderia à verdade. Quem me pressiona tem também um horário fixo. Fixo no contrato assinado em que se assentou a presença quotidiana. A presença que existe independente da pressão contratualizada.
Quando sou bem pressionado a imagem flui no ecrã. Independentemente do tamanho ou qualidade os ecrãs serão sempre o espelho da minha pressão. Não que eu tenha experiência no assunto, ainda hoje sou fiel ao meu primeiro reflexo.
Mas hoje abusaram, palavras cheias de letras massacradas, titubeantes. O contrato que se cumpre. São oito são oito! São sete são sete!
Não há tempo a perder, arrumam-se as letras em sinais eléctricos, que sem electrões nada disto se faz, por enquanto…
Tenho duas teclas gastas e a funcionar mal. Sujidade? Humidade? Ou apenas a erosão do que não é estável. Quantos óxidos escondidos? Quem sabe algum pequeno insecto que se tenha habituado à rotina. Ele entra! Eu saio!
Estou cansado. Não é só a pressão, também é quem a exerce. Não me sinto motivado para fingir letras em impulsos electrónicos, jogos de pressões e contactos, acordos, o eu hoje que amanhã serás tu.
Estou cansado, não são só os dedos que me martelam. É o martelar sem sentido. O provocar de reflexos inconsequentes. Para quê tanto esforço? Hoje é até às cinco! Até às seis! Hoje eu faço horas! Prolongo o meu esforço como consequência da mecânica dos teus dedos, extremidades insaciáveis. Eu sou piano! Ouve o meu silêncio, o gentil ruído da percussão sem corda nem ressonância, o gemido da tua aflição.
Está escuro e a sala está quente. O ar condicionado também tem horário. Tento-me lembrar das palavras que escrevi. Falta-me o pensamento, o raciocínio de quem as juntou. Nunca tive jeito para papagaio.

Eu sou povo! Sou dois digítos de desempregados! Sou o que apanha e que esqueçe!
Sou teclado, povo pressionado, que escreve sem entender, sou aquele que ainda acredita, mas que diz que não acredita, por vergonha, com medo que deixem de escrever.

Assim hoje, como Cecil Taylor, improvisando só para me libertar.

P.S. Perdoe-me o Cecil Taylor que é de longe muito melhor músico que eu escrevinhador. No entanto foi ele que me inspirou.