2012-11-29

Another F.... day!

E a luta não pára!


Deste lado da manhã vejo abalar quem luta. A cabeça na almofada revolta-se com o corpo semi adormecido. Levanta-te!

O corpo não se move...

Levanta-te....

Passou meia hora e o relógio lembra-me que o dia já começou.

O espaço da cama à rua é curto, a cabeça fê-lo curto.

O banho que tomei, o pequeno almoço que não...

Onze graus Celsius, é o carro quem o diz, eu ...olho e acredito, porque não?

Faz tempo que não nado...tenho medo do pulso? Não! desculpa de um corpo que não se quer cansar? Talvez...

Passaram duas horas, o espaço de cá até lá é curto, o sol fê-lo curto.

A água da piscina está morna, faço reset ao cronómetro.

Já lá vai o tempo em que me arrepiava com o azul.

São mil e quinhentos metros porque eu assim decidi, que se lixe o pulso e a dor, não mais de quarenta minutos, o chapinhar ritmico das mãos que se lançam e volteiam por debaixo do meu corpo, a cabeça que se vira, à esquerda, à direita, à esquerda, à direita, contei sessenta vezes aqueles vinte cinco metros.

Durante quarenta minutos revi a luta dos meus companheiros, a minha luta.

Não me lembro dos meus movimentos mas sei que foram reais, o batimento cardiaco lembra-mo.

O almoço, o filho da p... do jornal que continuo a comprar por puro masoquismo, a espera até às três, a viagem até á clínica...Charles Mingus....pareçe-me que sim.

Boa tarde!

A rapariga de quarenta anos faz-me um aceno, pede-me que me aproxime...Hoje consegui passar de uma cama para a outra sózinha....Boa!!

O sexagenário já consegue levantar o braço, metade da trombose já foi derrotada...

aperto-lhe a mão e ele sorri, a frase que ele soltou não é preceptivel...O olhar sim!

Tanta luta!

Doi-me o pulso mas a cabeça faz-me lembrar que a minha dor é outra....

Estive ausente dois meses da minha luta....

Os jornais não falam e a televisão ausenta-se...Têns emprego? De que te queixas?

Tenho saudades da trincheira, sofro na retaguarda...

Eu sei que alguém percebe do que estou falando....o telefone, perdão, o telemovel lembra-mo...está quase!

Quando voltar hei-de arrepender-me mas é essa insatisfação que me mantém vivo...

Boa noite!

2012-11-01

The End

Um dia Jó deu por acabado o trabalho. Vinte e duas músicas, perto de oitenta minutos de gravações. Estava-se em Dezembro e chovia. A água escorria abundante nas ruas de lisboa mas não conseguia lavar as mágoas de um povo martirizado. Os “Não!” tinham chegado a um impasse. Traduzir em CD aqueles dois meses era tarefa que nenhuma produtora estava disposta a realizar. Quatro cinquentões desconhecidos gravando um punk Pós-punk não era apelativo para o comum dos consumidores. Restavam os palcos, mas que palcos? Palcos secundários de festivais de verão, festivais de Inverno, bares obscuros, a rua? A rua é sempre uma solução, talvez a única solução garantida. Os conhecimentos de Jó conseguiram-lhe um pequeno armazém em Sacavém. O armazém era pequeno. Com sorte poderiam enfiar lá quinhentos melómanos esquizofrénicos, daqueles que gostam de tudo o que é marginal, de tudo o que aparentemente nunca será conhecido, o sentimento de presenciar algo único. Limparam-no e conseguiram, com o dinheiro da Joana e uns amigos da Catarina, que este estivesse apresentável no dia vinte e dois de Dezembro, o dia em que os “Não!” se iriam estrear. O palco era um cais de descargas existente no interior do armazém o que evitou montagens complicadas. As luzes, a mesa de mistura e as colunas foram alugadas a uma empresa de eventos que trabalhava para as feiras de Verão. Os amplificadores foram emprestados pelo estúdio. Os instrumentos eram pertença dos membros do grupo. Ainda pensaram divulgar um pequeno vídeo no Youtube mas depressa abandonaram a ideia. A fazer um vídeo de divulgação esse seria feito no dia do concerto com a ajuda de um amigo do Duarte que possuía uma pequena empresa de produções e cujo material estava hipotecado, seria esse o seu último trabalho.


Esse dia iria ficar memorável por dois aspectos negativos, um meteorológico e outro geológico. Depois de quatro dias de chuva esta intensificou-se e provocou diversas inundações em Lisboa com vários cortes de estrada e trabalho ininterrupto para os bombeiros. À hora do concerto ainda se avaliava as condições da sua execução. Por diversas vezes durante o dia tinha havido cortes de electricidade e temia-se que estes pudessem acontecer enquanto a banda estivesse a tocar. Não fossem a centena e meia de pessoas que se tinham deslocado ao armazém e a banda não teria actuado. O armazém apresentava-se escuro e frio. A apresentação do “Não!” estava destinada a ser um fiasco, era pelo menos essa a ideia que teimava em fixar-se na cabeça de Jó. Costuma-se dizer dos resistentes que são poucos mas bons. Esse lugar comum aplicava-se perfeitamente àquele reduzido número de pessoas que ali estavam. PP tinha trazido cocaína e um saco de erva. Numa pequena cabine improvisada com panos, que lhes permitia alguma privacidade, todos cheiraram umas linhas e fumaram uns charros. Duarte e Jó abriram uma garrafa de tinto, Paulo e o Holandês bebiam whiskey em copos de plástico. Vestiam de vermelho e preto a pedido de Jó que cedera a uma sugestão de Cátia, ela própria lhes emprestaria a roupa. Sim, Jó acabara por convidá-la para jantar e a conversa que tiveram nessa noite converteu-se numa relação.

Começaram a tocar com meia hora de atraso na expectativa de chegar mais gente, entretanto a chuva acalmara um pouco e conseguia-se distinguir o som de sirenes e o barulho de água a correr pelas caleiras. Tinham preparado dezasseis músicas e tocaram como programado até à sexta, altura em que o segundo fenómeno, o geológico, se manifestou. A terra começou a tremer mesmo depois de Jó ter apelado á luta armada, à irmandade dos povos trabalhadores da Europa, agora desempregados e a passar fome. A terra tremeu uns longos sessenta segundos. Durante todo esse tempo, e logo após o apelo de Jó, Pedro tinha arrancado um solo de guitarra cuja destorção foi ampliada pelo terramoto. Por detrás do solo o baixo de PP manifestou-se imponente marcando numa perfeição épica a bateria de Duarte, mais propriamente o trabalho de pés no bombo. Muitas vezes a simplicidade produz estes momentos mágicos. Ainda se ouviam gritos e aplausos quando a luz acabou para não voltar mais a acender-se. O primeiro e único concerto dos “Não!” acabou nesse instante.

No dia seguinte souberam que o terramoto tinha provocado vários danos na cidade. Os danos não eram só materiais pois devido ao desabamento dos edifícios mais antigos morreram cerca de cinquenta pessoas e houve cerca de oitocentos feridos. A zona de Lisboa tinha sido a mais atingida e chegou-se a recear um tsunami pois o epicentro do terramoto estava a pouco mais de duzentos quilómetros da costa. Os seis na escala de Richter eram enganadores. A chuva tinha ajudado ao caos e manteve-se durante mais dois dias. Foi decretado luto nacional e de repente o excerto da última canção dos “Não!” passava na televisão como testemunho vivo e musical da tragédia. Este havia sido colocado no Youtube juntamente com todas as outras cinco músicas do reportório que haviam conseguido tocar. Por causa desta divulgação todas as outras músicas tiveram enorme popularidade na net. O país de rastos limpava as feridas e o governo jazia inerte de soluções. Pedia-se a tropa na rua e o apelo à luta armada do Jó começou a aparecer em cartazes e publicações marginais, em papel e na rede.

Mas os “Não!” estavam condenados. Pedro que não havia recuperado do princípio de overdose no dia do concerto acabou por morrer duas semanas depois de ataque cardíaco. Pedro tinha ficado nas mãos de PP que estava eufórico. A adrenalina provocada pelo terramoto e pela tempestade, e potenciada pela cocaína, levaram-no a correr a cidade de automóvel com a sua companheira Anne. Com eles ficara Pedro que consumiu mais do que o seu corpo já frágil conseguia aguentar. Eram nove da manhã quando deu entrada no hospital do Barreiro. De olhos alucinados e junto da sua maca onde Pedro jazia meio inconsciente, PP gritava que tinha sido o maior concerto da sua vida.

Jó foi chamado às autoridades e detido por instigar à violência armada. Durante dias e até ele ser libertado houve desacatos e escaramuças junto ao Governo Civil. Quando saiu soube da morte de Pedro e fechou-se em casa sem falar com ninguém. Cátia, que entretanto tivera de passar uma semana em Londres, avisou Catarina do sucedido. Foi esta que levou o Jó até ao avião e o embarcou. Foram ambos para o sul de Inglaterra, para uma casa com vista para o canal da Mancha. A Cátia tinha lá uma casa de férias e logo após ter terminado uma série de reuniões de trabalho juntou-se a Jó permitindo a Catarina regressar a Portugal.

Com a morte de Pedro e o desaparecimento de Jó, Duarte não aguentou a pressão da comunicação social que não o largava. As palavras dos “Não!” Estavam neste momento ligadas a facções de extremistas que potenciados pelos acontecimentos começaram a provocar distúrbios que iam desde incêndios a explosões de pequenas bombas artesanais em tudo o que eram instituições do estado. Não foi de admirar a sua partida precipitada para Angola. A sua companheira sempre conseguira o que queria.

Quanto a PP desapareceu de Portugal outra vez, diz-se que para a Alemanha. Levou consigo uma cópia dos originais dos “Não!”. “Uma banda do caralho!”, foram as últimas palavras que se lhe ouviram em território nacional antes de atravessar a fronteira em Vilar Formoso. Junto dele a Anne conduzia o BMW.

Por cá tudo a piorar numa europa em queda livre e com conflitos garantidos. Nada como saber que a velha senhora se mantém fiel aos seus princípios…

De Portugal para o mundo a contribuição dos “Não!” a banda de punk pós-punk que gritou a revolução!

Foda-se a democracia dos burgueses!

Foda-se o medo e os votos que não servem!

A decisão vê-se nas urnas?

A decisão ou o cadáver?

Eu sou Português!

Eu não sou um menino bem comportado!

(Primeira estrofe do poema “Eu não sou um menino bem comportado”, da música dos “Não!” “Bem comportado”)



FIM