2013-07-21

10 de Junho, o dia de Portugal que ninguém viu

A plateia aguardava ansiosa pela chegada dos carros topo de gama que traziam os altos responsáveis da nação. Muitos dos que se deslocaram a Évora traziam esperanças, esperanças de poder apupar, gritar, esbracejar, mostrar indignação e desespero a todos aqueles responsáveis políticos, pessoas sérias e intocáveis. Ao longe ouviram-se sirenes, prelúdio do cortejo esperado, sirenes de pressa que mandam afastar, afastem-se que eu mando e vocês só atrapalham. As sirenes aproximaram-se espalhando ao desbarato decibéis insensíveis, arredando da frente vozes incomodas, pedindo bandeiras no ar, viva Portugal, vivam os mortos e os Impérios e os Impérios que nem chegaram a nascer, viva eu que aqui venho e estou aqui para vos ajudar, com a minha presença, a minha compreensão, a minha explicação fácil de avó paciente que vos entende desde que estejam calados. A plateia aguarda ansiosa que o chefe de estado saia do automóvel negro, negro das nuvens que pairam sobre Portugal, negro das expectativas que nos são permitidas, negro das olheiras de quem não dorme, negro das marcas na pele que ficam no interior das casas quando o dinheiro falta. A porta abre-se num abrir solícito de empregado de hotel de luxo, reverência devida a tão alto cargo, o corpo dobra-se e desdobra-se como um boneco teimoso que teima em ficar hirto numa posição que se pretende recta, demonstração de inflexibilidade, da força perante o caos, da razão perante o desnorte, o actor que representa um papel, que se desfaz numa credibilidade ilusória perante uma plateia ansiosamente apática dividida entre a revolta e a veneração que nos é característica. Os passos são perfeitos, milimétricos, em direcção à tribuna aparentemente obediente de altos dignitários, dirigentes políticos, militares graduados, homens de obediência institucional, amarrados de cargos com fardas que reflectem o grau de silêncio. Do público nascem rumores que os homens da segurança tentam descortinar. Homens da segurança, de segurança sectária, dirigem-se dissimulados para junto das palavras que incomodam preparados para intervir, servir de colete protector a frases contundentes. Ouvem-se apupos, um mal-estar de hospital, quando uma operação falha, quando o médico está presente e falha nas respostas. O presidente mostra-se indisposto, transparecem rugas de irritação, como disfarçar esta insatisfação perante um homem eleito, o homem de todos os portugueses, isto é uma democracia porra, a porra algarvia não saiu, assim como não saiu tudo o resto pois a minha imaginação ficou-se pela imagem ofendida do alto dignitário. Entretanto os militares perfilados, de armas descarregadas nas mãos, pensavam nas namoradas para evitar pensar nos ordenados. As botas engraxadas, o orgulho engraxado nas derrotas coloniais que eles não conheceram, reféns da Bósnia, do Afeganistão, de todas as missões humanitárias com mandatos internacionais, pactos, alianças, que não chegam para pagar a renda de casa nem para livrar o país da miséria. E neste dia da Nação a que alguns chamam da raça sem especificar qual não vá descobrirmos mais do que aquelas que seriam convenientes a mentes tão puras, o presidente fala da agricultura, das cebolas, das cenouras, das alfaces, esquecendo propositadamente os nabos. Fala de como as coisas crescem bem nesta terra abençoada por nutrientes divinos, provavelmente parentes directos dos nutrientes que fazem crescer os jardins do paraíso, de garantia assegurada por alguma nossa senhora disponível para ouvir da nossa fé. Da plateia continuam a ouvir-se palavras pouco simpáticas, dirão mais tarde que ofensivas à dignidade e que justificaram uma intervenção musculada com prisões e identificações para posterior caução judicial. Perante tal devaneio o discurso vira-se para o mar e o mar tão longe de Évora tão longe de nós que arrasamos a frota pesqueira, os estaleiros, os…enfim sempre podemos fazer surf, exportar as ondas em pequenos bilhetes-postais que já não se vendem e colocar uma população inteira a servir de guia a jovens aprendizes e profissionais bronzeados dos países ricos. Mas o discurso não acalma as hostes discordantes que se envolvem num confronto físico com as autoridades e com apoiantes incondicionais do nosso Chefe de Estado. Perante a violência dos confrontos gera-se o pânico fazendo com que se percam crianças, caiam idosos, desmaiem senhoras de bem, entrem em trabalho de parto mães que irão poupar em despesas de hospital mas talvez não em agências funerárias; e eu vejo-me no meio de tudo aquilo tentando chegar ao Sr. Silva, gritando-lhe a culpa que ele esqueceu, levando bordoadas da polícia, sentindo o sangue escorrer-me pela boca, pelo nariz, o corpo amortecido da dor, o corpo que abandono quando o vejo preso pela segurança presidencial, farrapo enxovalhado no chão; de corpo abandonado persigo aquele homem tão íntegro tão recto, persigo-o como um fantasma e quando finalmente o vejo, olhos nos olhos, os meus vermelhos de raiva, os dele brancos de desprezo anacrónico, acordei…Tudo não passou de um pesadelo. Ninguém tem culpa do que sonha nem tão pouco queria sonhar coisa mais degradante. Ainda bem que nada disto aconteceu, tudo está calmo e à data que escrevo isto esperamos ansiosamente que o responsável máximo da nação tome uma decisão. Esta será anunciada à noite pelas 20H30m. É bom saber que ainda alguém vela por nós e com o beneplácito da Nossa Senhora…Amém! 

2013-07-19

As Férias e a Leitura

Sinto-me cansado, olhos doridos de longas horas, debruçados em ecrãs, papéis que requerem atenção, números que de tanto se apresentarem chegam a não ser reconhecidos; e eu prometo-lhes descanso, poucos jornais, mingua de televisão, telemóvel em modo de emergência, prometo-lhes sol, água salgada, vistas despreocupadas, prometo-lhes o que não posso cumprir. Assim que chega a altura de partir, fazer as malas, escolher camisolas e roupas informais (não faria sentido levar a bata ou o fato-macaco) a minha preocupação é centralizada, que livros levar para ler? Todos os anos recupero os hábitos de leitura nas férias; todos os anos eu sei que esses hábitos irão perdurar durante alguns meses de esforço metódico em que a disciplina tenta sobrepor-se ao cansaço de olhos martirizados por esforços tardios em horas pouco recomendáveis. Enquanto escolho a literatura adequada para um repouso, que inclui também a minha sanidade mental, recordo-me de todos aqueles livros que prometi ler ou que comecei e não consegui acabar e invariavelmente opto por não os levar. Este ano não foi excepção. A escolha foi aleatória e recaiu numa sugestão da revista Ípsilon suplemento do Público que costumo ler para manter contacto com tendências culturais, sejam elas livros, CD´s, filmes ou qualquer outra actividade que eu possa aproveitar. “Lionel Asbo” é um livro corrosivo de um humor que tanto faz chorar como rir (o seu autor é Martin Amis). Sendo o autor Inglês era isso que se esperava do humor. Ri-me do óbvio e estava escrito e do que ele me fez pensar sendo certo que até de mim me ri apanhado nas armadilhas do autor. Ri-me da minha excitação em saber se o miúdo de quinze anos que confessa no começo do livro numa carta dirigida a uma conselheira sentimental/sexual de um tablóide Inglês   “Querida Jennavieve, ando a ter um caso com uma mulher mais velha. Ela é uma senhora de alguma sofisticação e constitui uma refrescante mudança em relação às adolescentes que eu conheço (como a Alektra por exemplo, ou a Chanel). O sexo é fantástico, e penso que estou apaixonado. Mas há uma complicação muito séria e é esta: ela é a minha Avó!” é apanhado pelo tio que cuida dele (Lionel Asbo), rufia de subúrbio, para quem a mãe precisa de protecção pelos seus excessos sexuais e que não teve problemas em fazer desaparecer (vendeu-o  ou matou-o? Tanto faz)um colega de escola do seu sobrinho quando descobriu que também ele lá ia a casa. A história do livro desenrola-se tendo sempre como questão subliminar a traição do sobrinho ao tio o que nos faz pensar sobre as moralidades suburbanas. Poderia dizer que o tio tem pouco mais de vinte anos e a avozinha  quarenta e cinco, que Lionel está quase sempre preso como “revendedor” de material roubado ou devido a inúmeras cenas de pancadaria que ele leva como estimulo de vida (uma espécie de ida ao psicólogo), que tem mais seis irmãos, a falecida mãe de Des (o seu sobrinho protegido) e cinco irmãos (com os nomes dos Beatles, incluindo o que não se tornou famoso), que ganhou a lotaria no valor de cento e quarenta milhões de libras o que faz rodar a nossa atenção para sociedade  inglesa materialista e de valores duvidosos. Enfim o livro é uma delícia. Acabei-o de um trago e entreguei-me à tarefa sempre difícil de ler Lobo Antunes, “Sôbolos rios que vão”, livro comprado antes de abalar num ímpeto compulsivo perante um autor velho conhecido e que me faz as vezes de uma ida ao psicólogo (ele há-de perdoar-me pois sou um leitor assiduo de muitas das suas obras)  . Sabia ao que ia e precisava deste tratamento para me confirmar curado. Foi também sobre um rio que a minha mãe abalou, também de cancro no cólon. Mudam as memórias, delicias narrativas que nos fazem reviver toda a vida de um homem nos seus últimos dias, sangue encharcado em morfina querendo sentir dor para se sentir vivo, de olhos postos no “pingo no sapato” médico que lhe prescrevia a medicação, a dose de anestesiante, o caudal de soro, as ordens para os enfermeiros. O livro dura de 21 de Março a 4 de Abril e eu sei que é verdade, que as pessoas se  apagam num fósforo, eu sei que sim. Ainda deu para começar a reler “Os Maias” do Eça, os tão odiados “Maias” da minha juventude escolar que descubro agora com outros olhos através de uma edição especial e comemorativa do semanário Expresso. Comemorativa do semanário (faz quarenta anos) e da primeira edição da obra (125 anos). Deixo-vos com este pequeno excerto, quem sabe a propósito de tão dúbias e poderosas alianças ultramarinas (ainda à pouco nos mandaram fechar fronteiras a um presidente): “Era como uma tela marinha, encaixilhada em cantarias brancas, suspensa em céu azul em face do terraço, mostrando, nas variedades infinitas de cor e luz, os episódios fugitivos duma pacata via de rio: às vezes uma vela de barco da Trafaria fugindo airosamente à bolina: outras vezes uma galera toda em pano, entrando num favor de aragem, vagarosa, no vermelho da tarde; ou então a melancolia de um grande paquete, descendo, fechado e preparado para a vaga, entrevisto um momento, desaparecendo logo, como já devorado pelo mar incerto; ou ainda durante os dias, no pó de oiro das sestas silenciosas, o vulto negro de um couraçado inglês…”.
Que o fim das férias não me traga o fim da leitura pois esta faz-me tão bem…

2013-06-26

À espera do jantar...

Procuro sem perceber que procuro, um lugar calmo, um lugar onde não ocupe espaço, onde a minha camisola velha e os meus ténis não sejam motivo de descrédito. Todo eu sou motivo de descrédito, tão só, tão infelizmente pobre, uma pobreza de origem suburbana, as calças de ganga rasgadas, as unhas que se desfazem no contacto com os objectos, os olhos inchados num inchaço permanente, como se a pele que circunda as orbitas não resistisse ao que elas contêm. Escrevo sem ver o que escrevo, esqueci-me dos óculos e a caneta procura os pequenos recortes brancos de papel com uma familiaridade atroz conhecida. Não consigo rever as palavras que lá ficaram. Penso que mais tarde poderei transcrevê-las, o corretor que faça o seu serviço mórbido de correcção mecânica e digital, informática de informação como se a informação fosse necessária. A Ilha percorre-se da Capital até ao Caniçal de forma intermitente, espaço, túnel, espaço, túnel, espaço, túnel, espaço, túnel, vira à direita, abre-se a cancela, bom dia, bom dia, fecha-se a cancela, descida abrupta até ao sopé dos depósitos que me são familiares, tão parecidos dos que são, independentemente do lugar geográfico, tão numericamente identificados, ferrugem que também aqui sabe a mar. A estrada que me trouxe, toda ela via rápida serpenteando na costa, com medo do sol passa por debaixo da pista, a pista que separa a terra do mar e une a Ilha ao Mundo. E eu que não me enquadro, que me desculpo constantemente, estou aqui em trabalho, eu não pertenço aqui, não tenho idade para a roupa nem roupa para a idade, por isso estou tão nu, você assim é melhor não ir lá, lá vão-lhe ao buraco, até aos trinta euros ainda lá vou, não, aquilo é para turistas, lá prós setenta, você está cá para trabalhar, não quer gastar muito, vá ao “JAQUET”, alcunha do vinho da Ilha, o da Madeira, não, o da Ilha, vinho da época. Já estou sentado, são quase dez horas e as palavras saem só por sair, nem sei porque comecei, ou sei e não quero saber, não quero olhar à volta e saber que estou sozinho. Nunca gostei de estar sozinho em público, estar sozinho é algo meu, por isso escrevo em público e pareço o que não sou gatafunhando pequenos quadrados de papel que numero para terem lógica. Pedi dourada, grelhada, sim grelhada, estou junto do mar e quero peixe, como se só assim houvesse justificação e eu não tenho justificação, apenas quero comer e as palavras saem ao som do espanhol da mesa do fundo, da moça que pede uma “seven up” para falsificar o vinho tinto de 15 euros, turistas, sim porque ao turista tudo se permite, a mim não, estás a trabalhar, já te esqueceste, não, não me esqueci, eles talvez. Fico para o fim e estou nervoso, quero fazer uma chamada e não tenho telemóvel, quero falar com a minha filha. A dourada chegou, maravilhosa, com molho de alho em vinho, sim o da madeira, o molho levemente picante, o peixe tão cheio de frescura desprende-se da espinha. Já não me apetece escrever…Até logo!

2013-04-26

O meu 25 de Abril



Parece que houve discursos. Um em particular deixou meio mundo político a discutir significados. Por ter sido proferido pelo representante máximo da República Portuguesa esperava-se que tivesse um significado especial, pacificador, galvanizador, aglutinador de vontades lusas. Tenho para mim que ninguém tinha essa esperança. Esperava-se sim um assumir das nossas debilidades, da nossa dependência, da nossa subserviência perante os poderes económicos ditos “mercados financeiros”, vulgo “credores”. Consagrou-se, num recheio de cravos caídos, a inevitabilidade da nossa perda de soberania. Chocados? Diria eu que a maioria de nós, cidadãos avisados e despertos, não terão ficado surpreendidos, mas eu já não conheço o povo a que pertenço, muito menos as suas “maiorias”. Confesso que não ouvi, que desliguei, que fui trabalhar, privilégio raro nos dias que correm. Hoje ouço os ecos de tais palavras discursivas e justifico a minha surdez.
O meu 25 de Abril sempre teve significados múltiplos, a começar pelo facto dos meus pais fazerem anos de casados nesse dia. A minha mãe, que partiu precocemente num dia de Março de 1989, volta-me sempre à memória. Pelos almoços festivos dos primeiros anos da década de setenta, pela madrugada desse dia no ano de 1974, por todos os outros almoços em que foi legítima a minha presença numa consagração que lhes pertencia e da qual eu era fruto, único fruto.
Mas estava eu falando do meu 25 de Abril, mais precisamente o de 1974. Acordei  mais cedo do que seria normal para um dia de semana. Acordei porque senti as vozes da rádio na sala, dita de "estar". O “rádio”, peça de mobiliário digna de adoração, tinha no seu interior o primeiro gira-discos que eu vi na vida. O estar sentado a ouvir rádio era um luxo de classe média que o ordenado do meu pai permitia. Nessa madrugada a posição curvada da minha mãe, olhar fixo nos números do mostrador das frequências, robe vestido por cima da camisa de dormir, tirava-lhe essa magia e emprestava-lhe uma gravidade que me assustou. Cheguei-me devagar ao pé dela e sentei-me a seu lado, ela aconchegou-me sem tirar os olhos do mostrador luminoso. Passou algum tempo até que me dignasse perguntar alguma coisa. Não me lembro exatamente da pergunta mas recordo perfeitamente a resposta, “Um golpe de estado”, ainda não era da revolução que se falava nessas primeiras horas. A minha mãe tinha sido avisada pelo meu pai. Trabalhava por turnos na refinaria de Cabo Ruivo, parece que estavam militares na portaria e não o deixavam sair às oito como seria normal. Perguntei-lhe o que era um “golpe de estado”. Penso que tentou explicar-me mas eu não devo ter entendido.
Entendi depois porque tinham, no ano de 1973, ido uns senhores de fato e gravata buscar o meu pai para uma conversa matinal em Caxias. Fiquei a saber que aquele seu colega, vinte anos mais novo e que lhe ia ensinar matemática, tinha morrido num atentado de extrema-esquerda. O meu pai, aluno tardio do actual ISEL, andava no primeiro ano do curso que o habilitava a chamar-se “agente técnico” e que depois de grandes controvérsias com o Técnico (o da Alameda) se apelidou de “engenheiro técnico”, tinha na boa vontade desse jovem a moleta que o ajudava a superar as dificuldades do horário e os problemas respiratórios do filho. Não me lembro do nome do “rapaz”. Para sempre ficou “rapaz” na minha memória, cabelo grande e barba descuidada, mãos finas e compridas num corpo esguio e frágil, sempre me fizera festas na cabeça à entrada de minha casa. A sua mãe reconheceu-o pela roupa, pelos restos que a bomba não destruiu. Na sua agenda encontrava-se o número de telefone do meu pai.
Só depois do 25 de Abril de 1974 é que percebi as palavras escritas nas paredes dos subúrbios onde se pedia o fim da guerra colonial. As letras vermelhas ou pretas que gatafunhadas à pressa testemunhavam um descontentamento crescente não faziam parte dos meus ensinamentos, quanto menos eu soubesse menos eu poderia contar, como confiar na discrição de um menino de sete anos, o que haveria para dizer?
Havia muito para contar, que o digam os anos que se seguiram atá à década de oitenta. Anos loucos de frenesim constante, de sonhos de esperanças, de medos e desencantos.
Hoje o meu “vinte cinco de Abril” é essa madrugada em que o mundo se abriu e eu descobri que não vivia sozinho no meu bairro suburbano da reboleira. Não vai ser a notícia de um discurso infeliz, para não lhe chamar outra coisa, que me vai estragar essa memória. 

2013-04-23

O grafismo da minha escrita


Que pena tenho eu de não poder mostrar o grafismo da minha escrita. Resumia-a a um programa informático que descodifica pensamentos em letras elaboradas, inventadas por quem achou que bastavam. Procuro no meio de tantas opções a opção certa sabendo de antemão que nunca será a correcta. Tão pouco de mim a não ser isso mesmo, a tradução, descodificação alinhavada, palavras passadas a fino pelo corrector automático que um dia se impôs no processador avisando-me de acordos com que eu não concordei, ou concordei pelo silêncio. E no entanto tudo sairá igual, destino traçado pelo modo automático com que o defini num dia de preguiças residuais. Enquanto escrevo vou-me apercebendo dos erros, as linhas vermelhas, ondulantes, que sublinham palavras fora das normas e eu penso nas normas, na facilidade com que as normas se impõem, se sobrepõem a tudo o que faço. Não será fácil fugir-lhe quando tudo está preso. Às vezes penso se estou dependente das opiniões, das visitas estranhas em países de atlas onde o português não pode ser mais que uma tradução automática. Às vezes penso que não são os autóctones. Os leitores, imagino-os portugueses de longínqua coragem, refugiados da impotência de rectângulo marginal nas margens marítimas de uma Europa milenar. E voltando aos erros, não sei se os deva corrigir, se corrijo só metade, se será a metade correcta e se depois da aceitação alguma norma terá sido seguida. Longe vai a disciplina de português que aprendi na escola quando ainda não sabia quem era. Hoje tudo é tão fútil, tão necessitado de renovação constante, Darwin linguístico em passo acelerado para depois nos dizerem que não. Deita fora essa língua que não presta, aprende das que te darão o futuro e no futuro lambe essa primeira língua como a recordação de um seio materno já morto. Que estou eu escrevendo? Fossem estas linhas, tinta numa página e o desentendimento gráfico tornar-se-ia percetível. Não são, são 0 e I´s numa simbologia binária que me permite divulgá-la.  Tenho pena que não seja o papel escrito. Reservo para mim essa escrita manufacturada, a tinta desenhada que me permite aferir de disposições psicológicas. O desabafo por aqui fica, a pequena reflexão pós digestiva que um sol primaveril aqueceu e iluminou. A edição será rápida, com a rapidez e a comodidade de um clique…ou dois…que importa quando os dedos já nem os sentem? O texto que queria escrever já está feito, manuscrito, que perda de tempo neste século XXI tão cheio de pressas. Chego ao fim com a sensação de que já estou desactualizado. Como tudo neste mundo frenético, já não valerá a pena ler isto…e apenas passaram alguns minutos…

2013-04-18

Alucinação.....

Hoje sinto-me aliviado, ponto final. Recebo a notícia num pequeno espaço da primeira página do público (três centímetros quadrados que apontam para a página 6), SUBSTÂNCIAS “PARA FAZER RIR E FLUTUAR” PROIBIDAS HOJE. Mesmo sem saber do que se tratava imaginei que tinham sido proibidos os funcionários políticos ditos dos partidos. Imaginei os franchisings PS e PSD (Dos outros não falo porque não chegaram a criar verdadeiros dependentes, tão dependentes que até chateiam, viva a corja 1980/2013, viva o mundo alucino-democrático) a fechar portas, proibidos de manter o povo sob o seu efeito psicotrópico. Ainda não li a notícia e já me babo no prazer bárbaro de ver encerrar aquelas lojas de alucinados incorrigíveis que me esfolam todos os dias para me manter viciado. Sim, eu não me esqueci do que ri quando soube de beneméritos pensadores, homens do cartão, rapazes de curso feito e bem feito, doutores e advogados de leis que me cocegavam com as suas reformas precoces em nome de um serviço, direi eu que mau, público, decidiram sobre si mesmos em nome de uma constituição que me obriga a mais horas, a menos reforma, à deselegância privada, a uma justiça que só é justa para quem pode suportar anos de recursos (espero eu o dinheiro que me retiraram injustamente em dias de greve fictícios, o que eu flutuei…). Ai! Pecado! O Paulo é contra a constituição! O Paulo é contra a falta de equidade? Sim, sou! Só hoje é que repararam que não existe equidade? Afinal a droga que vendiam era bem mais forte do que eu pensava. Sim, mas não foram só os senhores doutos, juízes de nome, cartão na mão, ora com “D” ora sem “D”. E eu alucino que existe oposição e aparece-me um senhor de gravata azul com cara de bebé a dizer que não concorda e a loja continua aberta e vendem-me Morais, e Rebelos e Sócrates e Leites e quadraturas circulares que mais parecem espirais. Por favor digam-me que é verdade, que finalmente proibiram essa corja de me vender tanta droga de má qualidade. A minha ressaca é imensa, talvez o resto da minha vida não chegue para a curar. Sim, o que eu flutuei, imaginação pervertida, invertida pois sempre estive no fundo. Será por acaso que os homens vão para a Colômbia? Tanto que eu ri e flutuei…Levo o Douro numa mala e um espelho para me barbear, porra, lá estou eu a rir e a flutuar, ainda com os efeitos da última dose…tinha um nome bonito…ahhh…RTP….SIC….TVI….Já não me lembro, às tantas de tanto rir baralham-se-me as ideias e os nomes….Sim, pode o português ficar descansado, vamos todos deixar de rir e de flutuar, a promessa é de choro, de ressaca, de miséria, depois de fechadas as lojas os ratos fogem do banco…desculpem, do barco, qual o nome do barco?...BPN? e eis que chego à outra notícia…EX-DONOS DO BPN VÃO-NOS TRATAR DA SAÚDE…Ainda não devem ter fechado as lojas, a alucinação persiste…seis mil milhões, sete mil, oito mil dez mil milhas por cima do reino dos bacalhaus…o que é português é bom desde que venha da Noruega…ou será da Alemanha…Deutchland, Deutcheland, Ubber Alles!!!! Ou lá como eles queiram gritar (o meu corretor ortográfico só alucina em português…por enquanto). Dizia eu que me sentia aliviado…afinal parece que a montanha pariu um rato…são apenas quarenta lojas que competiam com o mercado ilegal de cocaína, heroína, marijuana, haxixe, anfetaminas, ácidos e outras misturas…Ainda não é desta que me curo, a desintoxicação prometida está para as calendas…começo neste momento a rir, vocês não estão a ver mas é verdade, sinto os meus pés a levantar….estou a flutuar…estou a……….AAAAHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!!!!!

2013-03-18

Quando a Poesia é Prosa Turva (Ou apenas porque sou livre de escrever banalidades)

Um pouco como tudo


E do outro lado o mundo

A vez da voz que nos sussurra

Se do mal que é teu não sobram cinzas



Esmaga a tua dignidade

Esconde a fome no Inverno

Os ventos estão do Norte

Varrendo as terras do sul



De pobres gentalhas terrenas

Vivem homens de grandezas

De branco é o que se quer

Só no branco tudo o que suja



Aleluia vida curta

Salve a vida que vivo

Da estrada sem direção

Deste ou de outro caminho



Faz-te á estrada horizontal

Quando o vertical te foge

Amanhã no reencontro

O abraço será melhor



A poesia é assim

Não tem de ser porque é

Toda a frase que é prosa

Pode ser profissão de fé



Quem fala do mundo por rimas

De quem quer só por rimar

A raiva só tem palavras

O ódio pode matar

.................................!!!!!!!!!!!!!!!

2013-03-04

Um Jantar (Que poderia ter sido mais um, não tivesse ele ocorrido na Amadora)

A cem mil quilómetros de distância, um dia qualquer depois de ontem, a morna sensação de memória lambida. A virgindade só se perde uma vez mas a sua recordação perdura para sempre. Terão sido poucos, para mim foram os suficientes. Nem sempre a quantidade é qualidade e desta última não me posso queixar. Sim, as memórias lá estavam, dispersas é certo, mas firmes em sabores e texturas das quais eu não pensava recordar-me. Nem eles sabem as recordações que não disse. A idade ensinou-me a ser poupado, a não gastar tudo de uma vez, a ouvir e temperar imagens com outras perspetivas. Não foi bom, foi muito mais do que esperava, e com isto digo quase tudo. Pelo recato, pelo tempo que tive para lembrar, sem pressas nem pressões de reconhecimento, que são sempre incómodo em grandes concentrações (tanto que custa admitir que não nos lembramos de alguém, disfarce quem quiser, eu não consigo fazê-lo e ser credível)) e acima de tudo pelos amigos.


Hoje, mais do que nunca, aprecio o “quanto basta”, a quantidade certa para me sentir bem. Foi a quantidade certa? Poderia ser mais, quem sabe…Sei do sossego com que abri a porta, por volta das três da manhã, sem sono porque esse ficou nas duas horas de viagem. Foram muitas as imagens que eu revi na noite escura iluminada pelos faróis, todas elas páginas que por outras razões tinha procurado não relembrar…sim foi bom!

Faltam dois meses para fazer vinte anos no Alentejo. São vinte anos que não me fizeram esquecer a Amadora e os amigos…Este jantar lembrou-me disso.

Fui trabalhar às quatro da tarde de domingo e o meu amigo Luis perguntou-me, Então o “JJ” não foi, Não o pessoal do “JJ” era da Reboleira Sul. Olhou-me desconfiado como se não percebesse porque não era tudo a mesma coisa. Expliquei-lhe do “Vermelhinho”, do entreposto de pessoas com os mais variados gostos e vontades, disse-lhe que eu era uma “Maria-vai-com-as-outras” abandonando-me a quem me aturasse bêbado. Fez-me que sim…como podia ele entender esses anos oitenta se eu nunca lhos contei, como poderia eu contar aquelas histórias e parecer credível. Sabem apenas que sou de lá…

Quando cheguei a casa liguei o computador e fui ao “face”, queria ver as fotos, o comprovativo de que tinha sido mesmo verdade.

Sem sombra de dúvidas que um pouco de mim ficou lá, quem sabe à espera que mo venham devolver…

Um abraço grande a todos os que lá estiveram. Aos outros a esperança de os rever noutra altura.

P.G.

Nota: Desculpem lá a porra do sermão!!!!


2013-02-21

Para memória futura

Dia vinte do mês de Fevereiro do ano dois mil e treze. São dezasseis horas, um pouco mais se olharmos para os ponteiros com atenção. Cheira a enxofre, um cheiro ligeiramente ácido, um pouco adocicado com laivos de podridão, a podridão de águas paradas em tempos pré-históricos. Todos os passos que dou são contados, não por mim que não tenho paciência, pelo outro que anda cá dentro, que me empurra em sentido contrário, que me grita palavrões numa língua desconhecida. Deixo-me embalar pela gritaria, sou levado pela brisa que transporta os cheiros, o meu cheiro mistura-se e às tantas não o reconheço, fico com a sensação de ter perdido a identidade, melhor dizendo, fico com a sensação de ter mudado de identidade, eu sei que é só uma sensação, mas é muito forte. Olho de viés para os pêlos da minha mão, estão ligeiramente arrepiados, são pêlos que apareceram com a idade, definiram-se por ela, deixaram que ela os colorisse de preto, o sol logo os há-de aloirar quando chegar a Primavera, antes disso mais um ano terá a sua passagem assinalada. Sim os pêlos estão arrepiados, pressuponho que seja da febre, do mal-estar arioso que me vai corroendo, do medo de ter medo, sim porque houve alturas que só sentia medo e o medo era puro, era arrepio de loucura, quando somos loucos sem saber que por lá passámos. Depois tudo se torna racional e o medo deixa de ser loucura, apenas uma lacuna a que voltamos quando pensamos não ter destino ou apenas porque pensamos não ter destino. Hoje o medo não tem piada e eu riu-me na mesma. Não é riso de exorcista, é um riso parvo e sem sentido, um rir do que sou e do que fui.


E as horas passam, já não são dezasseis horas. O lugar vai morrendo do movimento diurno, restam dez almas, talvez nove, percorrendo corredores de ciência fabricada, executada com a minucia de profissionais treinados. O rabo não abana, por enquanto, tudo é uma questão de tempo, sinto um ligeiro agitar de anca, uma vontade de ladrar, quem sabe, morder ou apenas rosnar, aqui quem passa sou eu, não as caravanas. O jantar está na mesa, somos nove, agora que confirmo o número certo retiro os talheres como quem subtrai uma unidade ao todo que é só parte. Três gotas de picante é mais que suficiente, a caveira não existe, apenas a corrosão ácida do óleo alaranjado, turvo de finezas domésticas, “feito à mão” finjo ler enquanto alguns bagos de arroz escorregam pela garganta esfomeada. Sim, está tudo controlado, vamos fumar um cigarro? Queres café? Quantos é que são? Já passam das vinte e uma. Lá fora brilham três enormes velas, duas finas e uma mais grossa, talvez por ser a mais nova se julgue mais importante, eu também julguei que era, quando era mais novo, hoje essa importância reduz-se ao que consigo ver, à nesga da coisa que é a vida.

Vinte e quatro horas ou o começo de um novo dia. Abres o livro e escreves 00H00m, deixaram de ser vinte e quatro e o dia também mudou de numeral. Eu sou Deus quando decido destas coisas, no livro que abri os santos atropelam-se com vontade de chegar ao fim. Lá fora ouve-se o barulho de um motor, os faróis da carrinha atravessam as vidraças espelhadas, como lanças em corpos moles numa batalha que nem chegou a ter destino. Fumo mais um cigarro e bebo mais um café, quantos já bebi hoje? Não sei, cinco seis, sete, perdi-lhe a conta por volta das três. É sempre assim? Não, apenas quando me lembro de os contar.

Apago as luzes uma a uma, quer isto dizer que percorro corredores infindáveis à procura de quadros inundados de disjuntores. A madrugada que é noite fica mais noite. Já passam das quatro e não se ouvem passarinhos. Ouve-se sim o ronronar de máquina feita de máquinas, a besta que finge dormir no meio da penumbra. Eu sinto-lhe a respiração assim como sentia a respiração da outra besta, a de Lisboa, junto ao rio, quando ia para o terraço ver nascer o sol, o sol que aparecia por detrás e iluminava a margem sul, o Barreiro, o Seixal, o mar dito de palha porque alguém assim o batizou. Vou sem pressa, sentido a borraceira encharcar-me o corpo. O outro, que ainda está cá dentro, apressa-me o passo mas eu não me deixo intimidar, inclino-me para trás, deixo que os pés se arrastem até, até entregar a chave que me liberta. A sensação de que tudo acaba com uma assinatura, boa noite, boa qualquer coisa que mereça, que valha a pena. O automóvel espera no fundo do parque, tudo tão nu, tão plano, dá-me vontade de agarrar todos aqueles reflexos que começam no metal e se perdem nas árvores. Prometi a mim mesmo que um dia conseguiria representá-los, folha de papel branco e as cores bailando no fundo negro da chuva de Inverno. Tivesse eu a magia e a promessa não seria um abraço por dar, a visita que não se faz.

Dia vinte e um do mês de Fevereiro de dois mil e treze. O automóvel já está estacionado à porta, são seis da manhã e ainda não tenho sono. É tão difícil ter sono quando se quer. Já fumei mais dois cigarros. Vou à casa de banho e procuro os olhos vermelhos que anunciem o cansaço. Vejo um homem com barba por fazer, rugas, cabelos brancos, mazelas da vida que atestam da minha passagem, mas não vejo os olhos vermelhos. As palavras continuam a ser escritas e eu já não as quero escrever. Aqui quem manda sou eu…Boa Noite!

2013-02-17

QWERTYUIOP (Será possível ler por acaso?)

QWERTYUIOP, e depois, o que quiseres. O lugar ruim da espera quando a ressaca é grande. Hoje espero que a loja abra mais cedo…Hey Tambourine Man isto abre ou não abre, terei eu justificação para a apatia…Hoje sim que é feriado. Levo a vida que o vício me deixa, só penso quando posso e quando posso compro. Não me peçam opiniões se o meu corpo estiver sóbrio. Incapaz de inventar eu só sou, depois…


Talvez a Joaninha, que só interessa quando a desenho, ou desconstruo, ou deslindo em pormenores insignificantes e agigantados desdenhos, talvez a joaninha me saiba falar nesse pequeno lapso de atenção.

ASDFGHJKLÇ, porque debaixo da linha, outra linha vem. Nunca menosprezei o utensilio, a caneta, o pau e a areia, o cartão e o carvão, o tijolo vermelho e a pedra, a tecla e o dedo digital, para breve o etéreo futuro, independência dos mecanismos. Hoje QWERTYUIOP e depois ASDFGHJKLÇ.

E sentado resigno-me da paciência que se esvai. Olho vazio, o vazio dos objetos e o vazio das pessoas e das coisas que não sendo pessoas se confundem e não deixam de o ser e todo o prazer de falar sem fôlego, sem tempo, mas sentado, resignado de paciência comprada. Olha que bonito já reparaste nas cores do dia que hoje é hoje e depois é amanhã e ainda cá estás e sempre vais estar sem nunca te lembrares do nome das coisas e do teu nome…



2013-02-13

No intervalo dos espaços vazios!

Grunhidos, gemidos, palavras impercetíveis de sentido opcional, todo um jogo de escutas. O castigo procura razão e o silêncio conivente aprova por decreto. Pelo meio estão trabalhadores e famílias, Teresa, João, Carlos, Isabel, a pequena Joana, o Daniel ainda por nascer, nomes que são pessoas. Num tribunal o juiz julga do poder. Que poder tens tu para te defender?... Os “nomes que são pessoas” são acusados. Defende os teus direitos… e os direitos resvalam por entre os dedos, água preciosa que não conseguimos segurar.


A visita é rápida, haverá impedimentos, estamos vivos. O obrigado é suspirado, a onda de solidariedade não passa de mar manso. Tudo sereno. Noutros tempos quem carregava a cruz tinha direito ao ódio à condenação popular…a cruz passa despercebida por entre bancadas…a cruz larga uns papéis sobre a mesa…um olhar que não diz tudo porque muitas das vezes o olhar não pode dizer tudo, porque faltam as palavras ou o tempo delas…está tudo bem? Pergunta pertinente de imbecilidade induzida. Sim, está tudo bem…não devemos desistir, é isso que eles querem. Claro que não!…

Às vezes olho para o tempo e digo, está tudo demasiado silencioso. Claro que o meu olhar é meteorológico, analiso ventos, pressões, temperaturas, humidades relativas e sentencio, está tudo demasiado silencioso. Por qualquer razão espero sempre algo de mau provindo de tão vazia bonança.

A paz está podre. É uma paz medrosa, de barco ao fundo devagarinho, muito devagarinho, tão devagarinho que até parece que não vai. Podem confundir à vontade, medrosa ou merdosa não será uma escolha efetiva, apenas o mesmo lado, a mesma noite que, quando é noite a sério, quando é ausência total, nos retira o folgo.

Mesmo no silêncio eles são heróis. Heróis porque no meio de tanto medo não foram o medo todo…Que ruídos são esses? Não sei!…Põe a mão na boca!

2013-01-29

Decisão (II)

Estranhas o quarto? Parece-te maior? Lembras-te dele quando ficou vazio, quando te mudaram a mobília, entraste lá dentro e disseste para ti, encham isto depressa. Tinhas treze, onze? Na minha memória ficcionada tens doze anos. Será portanto com essa idade que vais sentir o quarto grande…


Acordou devagar, seco, enferrujado do pescoço para cima, peças soltas faziam barulhos, ecos, reverberações no interior do seu cérbero martirizado. O quarto parece-me maior, pensou. Veio-lhe à ideia o cheiro de madeira nova, tinha doze anos quando lhe mudaram o quarto. O quarto ficou tão vazio e no entanto tão cheio, de ar, aquela mistura gasosa, aquele pormenor irrelevante que nos permite sobreviver. Mas não era só o ar, era… aquele ar, também ele mistura de pó, cheiro de limpeza rápida, também uma humidade. À noite estranhou tudo, a cama grande, o esqueleto da estante, vazio de órgãos e músculos, livros e bonecos que virão mais tarde, o roupeiro insinuando a prisão, pobres roupas jogadas ordeiramente para o seu interior, também elas assustadas com a novidade, intimidadas com aquele à vontade frio do mobiliário. Quando fez dezoito anos já o quarto parecia pequeno, tudo era pequeno, até o bom senso. A partir desse momento o quarto foi sempre encolhendo. Lembra-se de um dia, já ele tinha saído de casa, já ele estava casado, de ir visitar os pais, o almoço e a tradicional passagem pelo “seu” quarto, a mãe garantindo-lhe que está tudo no mesmo sítio e ele não se imaginando num lugar tão pequeno, liliputiano, e ele na foto, muito novo, boneco de um cenário de criança. Vai para seis meses que voltou para a casa dos pais. Como que por milagre o quarto cresceu. Dormiu enrolado como tinha dormido nas últimas duas semanas, dentro do automóvel. Nesse primeiro dia, nesse primeiro resto de jornada, acordou e deixou-se estar na cama sem se mexer, deixou que os olhos passeassem em voltas de reconhecimento, procurando detalhes, limpando o pó à memória. Há muito que o dinheiro do subsídio acabou, a falta de dinheiro reduziu-lhe o mundo, tudo ficou mais longe. O carro é racionado e está velho, o dele foi entregue ao banco, assim como a casa, a mulher, os filhos, a vida, nem toda…a que sobra precisa de tomar uma decisão. Também houve uma altura em que ele sentiu que o país era pequeno. Hoje o país parece-lhe enorme, tudo afastado, tudo tão opressor, uma opressão consentida como inevitável, produzida de consensos, inversa à desgraça ou ao cúmulo da mesma. Vou tentar encontrar o amigo do Miguel. Tentativa fácil, o cartão com o contacto ainda está fresco no bolso do casaco, consequência de um encontro furtuito, aquelas coisas que acontecem quando se anda muito a pé. Aqui não se arranja nada, a frase é repetida como uma senha, a conversa começa a partir daqui, e lá fora, depende, se tiveres engenharia e te safares em línguas, pelo menos o inglês, eu era vendedor, trabalhava numa imobiliária, estou desempregado, faço qualquer coisa, isso não é assim tão fácil, construção, com o teu corpo, morrias em dois dias, e assim morro na mesma, olha dou-te este contacto, obrigado, gostei de te ver, eu também…eu também…

Já percebi. Tomaste uma decisão. Vais gastar os últimos cobres numa operadora de telemóveis, nem me interessa qual, se calhar até dás de comer a duas, mas não tenho nada a ver com isso. Talvez telefones apenas para te justificar, alguma coisa eu fiz, não podes passar o dia em pijama, hoje nem saíste de casa, talvez telefones porque estás mesmo decidido, não sei o que te faça. Gostava de te fazer forte, a ver vamos…

O telefonema foi feito. Talvez por estar adormecido anuiu tão rapidamente à marcação de um encontro, não um encontro particular, com todas as excelências de algo singular, um encontro de vários encontros, apareça lá por volta das duas, duas…duas da tarde, na próxima terça-feira, aquilo é junto ao mercado, se você se vir á rasca dê-me uma apitadela, fica combinado, na próxima terça-feira, sim, às duas. Falta uma semana. A inatividade é inimiga das decisões, sete longos dias para poder pensar em tudo o que poderá correr mal, e se eu não aguento, e se o Miguel tem razão…e se eu não pensar mais nisto, por agora…e se eu procurar outras alternativas…duas decisões no mesmo dia e quase à mesma hora, há que aproveitar o filão, de qualquer maneira a quantidade não significa perfeição, embora o conceito seja difícil de engolir nos dias que correm.

Vou ter de te obrigar a levantar. Basta distrair-me um pouco e começas logo a filosofar, perdão, a pensar na vida, só me faltavas cá tu, desculpa, olha vou-me embora que tenho de ir almoçar, até logo, até…amanhã…se deus quiser…nem parece teu, ficou-me a expressão, de facto alguém tem de querer para que as coisas aconteçam…Adeus! Está bem, já percebi…

2013-01-27

Decisão (I)


Um dia cinzento, apenas mais um. A chuva não dá tréguas, numa ilusão de batalha, investe segundo ordens meteorológicas tão instáveis como as suas previsões. Na cidade a água parece que escorre mais depressa, não ensopa, não há terra para encharcar, apenas cimento e asfalto e pedras e coisas que a fazem resvalar. Na cidade um homem à chuva. Isolado é doido, em grupo é paisagem. Gabriel foge da paisagem e torna-se louco, vai encostado, muito junto das paredes dos edifícios, das habitações da urbe que tende para o sono. Poder-se-ia dizer que Gabriel já quase não é louco, mais transparente, um quase ausente do qual resta uma ligeira sombra, a parte menos molhada da parede, aquela que por breves instantes foi protegida pelo corpo. O corpo procura um abrigo, uma cervejaria, o café da esquina, a pastelaria que serve jantares, lá mais para o fim da rua o tasco do “Açores”, a padaria do “Francês”, o quiosque do “Reformado”, a casa não, ainda fica longe, lá para o fim do bairro, na linha que separa o cimento das estrelas e do barranco que todos os anos é descascado pela chuva, todos os anos o céu fica mais perto dos pés, todos os anos as estrelas têm mais espaço, mais céu. O café da esquina que não é de esquina mas quase, não condenemos este café por não honrar o nome, atire a primeira pedra quem nunca o desonrou, lhe infligiu tremendas mutilações…Sim o café de esquina, o café da Dona Esmeralda, preciosidade de outras épocas, luto negro como a ausência, cara dócil de avó para quem merece ser neto, Gabriel merece-o, foi por isso bem recebido pela idosa senhora. Ele não era de grande palavreado, o indispensável para ser educado, tudo resto era o sorriso, a ternura de um olhar compreensivo, ser companhia e estar ausente. Entrou ausente, um ligeiro aceno, curta vénia de balanço gingado em direção à cadeira, a curva perfeita, o jeito de ancas no corpo magro que se desvia do bico da mesa, nalgas assentes e o ajeitar dos braços por cima do tampo, tudo junto e o pedido balbuciado, que a chuva roubou-me a voz.

Sim, faz o pedido! O que te apetece num entardecer chuvoso e frio? Beberias tu do meu pedido? Sangue que fosse meu seria aquecido. Deixei-te ai esquecido…devo-te uma dose etílica, algo que distraia os teus olhos que eu deixei presos à vitrina.

Dona Esmeralda, um café…e um bagaço. A negra senhora olhou-o de soslaio. Mesmo de esguelha o olhar foi suficiente. Porquê pedir um bagaço? Uma dose de álcool pelo despedimento, outra pelo divórcio, e que tal acrescentar a falência, o abandono, a ausência, outra qualquer causa que justifique o abraço, o copo que prolonga a mão, a culpa é da mão que leva o copo à boca, a culpa é da boca que…Devias comer qualquer coisa, queres que te faça uma sandes, fica por conta? Dona Esmeralda…um café…e um bagaço…Estás tão magro…Pois estou! Continua a chover, a gordura da vitrina deixa as gotas separarem-se, juntarem-se, deixarem-se escorrer por onde o vidro ajuda, regueiros de sebo, os dedos da vida que deixam a sua justificação, serviço involuntário de identificação. Dona Esmeralda…o bagaço… pode ser dos grandes. Será a causa tão grande como o cálice? Não terá resposta a pergunta, visto que esta ficou-se por um pensamento. Será pergunta quando o cálice forem muitos, tantos que a mesa se queixa do espaço que lhe ocupam. Será pergunta quando as lagrimas já não forem causa, apenas um escoar de líquidos que o corpo rejeita por incontinência. Dona esmeralda…mais um bagaço…A velha senhora afasta-se contrariada, seria mais fácil não gostar do rapaz, seria mais fácil não o compreender, seria melhor ele não se parecer com o seu filho, o filho que perdeu em africa em 74, um dos últimos a morrer no continente, em nome do império, em nome de tudo o que ela nunca compreendeu, Já nem estava com o pai, ficou-lhe a dor e a imagem do jovem filho feito cristo. Desde esse dia todos os jovens que sofrem são cristos, a juventude em sofrimento é cristo. Dona Esmeralda é Maria de coração, Gabriel é órfão de Madalenas. A chuva continua a cair mas já não molha da mesma maneira, já não quer encharcar. Gabriel sente-se molhado, fez questão de pagar tudo, também a sandes, fez questão com o olhar implorativo de quem não está habituado a pedir, no entanto o sorriso não o abandona nem a voz suave e quente com que se despede da Dona Esmeralda, até amanhã…mãe…desculpe Dona Esmeralda…não faz mal…meu filho…Daniel…

Vou levar-te para casa. Sabes que pensei matar-te? Sim imaginei um assalto ao café, tu armavas-te em herói e acabavas com uns gramas de cumbo no corpo. Eu ficava satisfeito com o banho de sangue, trágico final quando não se quer continuar. Tu? Tu tinhas uma morte digna, morto antes dos trinta, cadáver bonito, ainda sem doenças nem rugas, nem marcas de velhice que o teu dinheiro seria incapaz de disfarçar. Não, não vais morrer…hoje…

Gabriel vai tentar jantar, na casa dos pais, dormir, no quarto de infância, viver do que lhe resta, talvez ler um livro, dar uma volta na net, o bafo alcoólico disfarçado por partilhas, os comentários :) , o céu e o inferno á distância de um clique. A decisão, por enquanto, não é explícita. Sê-lo-á a seu tempo, quando a chuva deixar de lavar as nódoas, a infeção que nos corrói. A noite será benévola, a madrugada fria irá relembrar-lhe que nada mudou e que a decisão continua a ser dele.

2013-01-16

Confissão por Pessoa

Subjugado pelo poder tremendo de todos os poetas reconheço a minha vulnerabilidade e incompetência. Fascina-me o charme da morte precoce sem no entanto a desejar. Tudo são sonhos e personagens, inventadas na angústia débil da almofada. Não me revejo nos génios que admiro, não sou alma bivalente ou transcendente, sou apenas cobarde de mim mesmo, recipiente transbordando de receios, tenho medo do que faço e medo de não fazer. Pego nessas biografias e rezo nas suas páginas orações de inveja incontida. Nunca o amanhecer me trouxe inspiração, tão somente sossego e paz numa inutilidade assumida. Todos os dias repito gestos mecânicos e faço promessas criativas. Todas as minhas criações se esgotam nas promessas. Sou parco de mudanças mesmo quando elas acontecem. Sou um pedaço de madeira, um destroço levado por um rio, não comando as águas nem sei do mar para onde me levam. Por isso leio e deixo a meio para mais tarde voltar. Por isso tudo parece inacabado. Eu próprio estou inacabado. Desfolhar estas confissões a hora tão matinal pode parecer soberba de poeta, arrogância de pseudoartista inventando conflitos. Não critico quem assim pense, mas mais uma confissão eu faço. Deitei-me cedo, sem álcool no sangue, nem tão pouco o jantar. Levantei-me cedo e estou a escrever. A razão de tudo isto devo-a a um caderno biográfico de Fernando Pessoa. Não me larga a abnegação do homem que de tudo se despojou limpando-se de relações. Fez-se vários por razões que todos estudam mas só ele sabe. Do único livro editado em vida o Estado Novo premiou-o. E eu que gosto do ler vejo-o tão distante de mim, tão limpo, tão composto, tão inglês, tão racional. Saramago, comunista assumido, destilou a personagem Ricardo Reis, revelando liberalismos e contradições. Não tenho tais capacidades, apenas vejo diferenças. Gostar de Pessoa é lugar-comum, há quem se identifique, eu leio, leio como alguém diferente que nunca verá um quinto império ou usará uma camisa branca e laço. Sou poeta porque sou português e isso fez-me poeta por direito. Sou poetastra assim como sou mau português. Deteste governos e desgovernos, não me deixo governar nem me governo. Sou casado e tenho uma filha e a única loucura conhecida é continuar a trabalhar. Sinto-me desconfortável na minha confortabilidade por saber que nunca realizarei sonhos. Invejo-te Fernando, não o que escreveste porque é teu, produto do teu “eu” do teu liberalismo, da tua adoração monárquica, das tuas pretensões aristocráticas, da tua inteligência e, diz quem sabe, talvez da tua doença. Invejo a tua coragem, a tua disciplina num propósito que desconhecido para mim eu inventei e ao qual dei o meu significado. Por isso és grande, disperso, diverso e morto consegues desassossegar-me, a mim pobre trabalhador de classe média baixa com pretensões à loucura como chave da genialidade. A César o que é de César porque a dor que eu sinto não é fingida, como se diz em bom português é dor de corno.


Agora que já desabafei, vou tomar o pequeno-almoço e fazer-me à vida que se faz tarde…

Um abraço a quem me ler e perdoem-me que eu não sou sempre assim….

2013-01-09

No Hospital

Dirijo-me para o hospital, sozinho como sempre estive. Conduzo o carro pela estrada escura. Sinto que as árvores ladeiam o asfalto avisando-me das bermas. O velocímetro, também ele aviso, informa-me da velocidade. Tenho o coração apressado e falta-me o ar. Está frio, falta pouco para a meia-noite, falta pouco para o dia vinte cinco, vinte cinco de Dezembro. A rapariga da secretaria pede-me o cartão, fala comigo e apercebe-se que eu não tenho voz, apercebe-se do sussurro que é o meu respirar. A sala está vazia enquanto eu aguardo uma entrada na sala de triagem. Num ecrã de canto as árvores são de Natal, a história também. Tenho o olhar fixo na porta da triagem, ouvidos postos no vazio da sala esperando pelo meu nome balbuciado numa qualquer pronuncia que me queira atender. Imagino a enfermeira, desenho-a com formas curvilíneas por debaixo de uma bata imaculadamente branca. Imagino-a nova, ou nem tanto, apenas o suficiente para lhe entregar a alma, dizer-lhe do que sofro e amá-la, amá-la naquele segundo em que me revelo frágil. A voz que me questiona é insipida, espera respostas e angustias. Respondo-lhe conversas banais, estou aqui sem querer, eu até nem queria vir sabe, o problema é que não consigo respirar. Sinto-me ofegante mas sorrio, tento ser simpático, eu não quero incomodar. Colocam-me uma pulseira amarela. Pouco importa a cor, desde que eu não incomode. Volto à sala de espera. Já não está vazia. Acabaram de entrar duas macas. Um acidente grave. Só isso justifica a inquietação dos presentes. Alguns deles pressionam o segurança. Embora habituado a pressões não é indiferente, os seus olhos tiveram a visão da morte quando olharam para as macas que os bombeiros transportavam. Perdi-me no desespero estranho daqueles estranhos, perdi-me a pontos de não ouvir o meu nome. O meu nome foi repetido, talvez três vezes, as vezes necessárias para que fosse preciso o segurança questionar-me. Sim sou eu, sempre fui, mas isso agora não vem para o caso. Obrigado, desculpe, ou desculpe e obrigado, ou apenas desculpe, estava distraído, ou simplesmente o levantar-me da cadeira e dirigir-me apressado para a porta da sala quatro. Já lá dentro e aquela mulher que é médica e tão minha mãe, fosse ela mais velha, menos loira, menos olhos azuis, menos estrangeira e talvez fosse minha mãe. Entrego-me como me entrego às mulheres que amo, braços estendidos, nus, expectante, ofegante, e agora…vou-lhe medir a tensão, a entesadura, o nervosismo, não! Apenas o que o coração aguenta. Falta-me oxigénio e já não consigo ouvir como deve ser. A entesadura está alta, não! A tensão está alta, o nervosismo…também. Será preciso um comprimido debaixo da língua, cortisona na veia, oxigénio enriquecido, um pouco forçado, análises ao sangue e um raio que pode ser X, depois, depois logo se vê. O tempo passa, diz-se que voa, mas não. O tempo esvoaça em torno da nossa paciência, testa o folego, a vida, o que queremos dela. O tempo só existe para nos conhecermos, se quisermos. A cadeira é dura, o ambiente sereno. Ouvem-se gemidos mas eu não os ouço, vejo-os nas expressões doridas de quem sente dores. Não lhe conheço as dores mas sou solidário com o seu sofrimento. O seu sofrimento faz bem ao meu, atenua o meu egoísmo e faz-me sentir mais humano, faz-me sentir pertence de um sofrimento maior, que não é só meu. Passam as horas agora que o tempo passou. O tempo deixou de ser tempo, agora já pode ser controlado por um relógio. Sim, é agora que ele me incomoda, o pulso revira-se convulsivamente a pasmos regulares mostrando os ponteiros, mostrando-me que estou melhor. Quando se está melhor quer-se sair e eu quero sair. A tensão continua alta mas eu já não a sinto. A falta de ar já só é uma fartação ao ar do hospital. O médico que acabou de entrar ao serviço explica-me num português diferente a necessidade de continuar sentado, de tomar mais dois ou três comprimidos. É noite e o natal já se foi. O Natal é apenas um lapso, uma memória que perdura para se esquecer até ao próximo…Natal. Eu continuo a gostar do Natal. Gosto dele porque gosto da minha filha, porque gosto do meu pai, porque gosto dos amigos com quem almoço nesse dia. Gosto do Natal porque gosto de companhia. Nunca me preocupou o menino, nem as dores de parto da Maria, nem as ansias de José, nem a pensão ranhosa onde passaram a noite do nascimento fugindo ao infanticídio de Herodes. Estou cá fora. Convenci o médico que fala um português diferente. Sim estou melhor e a tensão já não baixa mais, pelo menos enquanto me mantiverem aqui. Você tem de ter cuidado, controlar a máquina. Claro doutor, faço-o todos os dias. Vá a um especialista, a um cardiologista, tome medicação. Sim doutor, vou fazê-lo já amanhã, uma marcação que não tenho coragem de fazer com medo de mais restrições. Hoje não é dia vinte seis e menti quando disse que fui sozinho para o hospital. Fui sozinho porque foram essas as recordações, porque não queria ir e fui obrigado, porque descompus a farmacêutica que mo aconselhou quando tentei comprar antibióticos sem receita. Você não está nada bom, vá ao hospital. Fui sozinho mas apenas na minha cabeça. Estás melhor? Sim estou…Vamos para casa? Sim mas primeiro vamos passar na farmácia. A miúda onde está? Eu vou busca-la depois. Não vou esquecer tão cedo este natal. Eu também não.