2013-04-26

O meu 25 de Abril



Parece que houve discursos. Um em particular deixou meio mundo político a discutir significados. Por ter sido proferido pelo representante máximo da República Portuguesa esperava-se que tivesse um significado especial, pacificador, galvanizador, aglutinador de vontades lusas. Tenho para mim que ninguém tinha essa esperança. Esperava-se sim um assumir das nossas debilidades, da nossa dependência, da nossa subserviência perante os poderes económicos ditos “mercados financeiros”, vulgo “credores”. Consagrou-se, num recheio de cravos caídos, a inevitabilidade da nossa perda de soberania. Chocados? Diria eu que a maioria de nós, cidadãos avisados e despertos, não terão ficado surpreendidos, mas eu já não conheço o povo a que pertenço, muito menos as suas “maiorias”. Confesso que não ouvi, que desliguei, que fui trabalhar, privilégio raro nos dias que correm. Hoje ouço os ecos de tais palavras discursivas e justifico a minha surdez.
O meu 25 de Abril sempre teve significados múltiplos, a começar pelo facto dos meus pais fazerem anos de casados nesse dia. A minha mãe, que partiu precocemente num dia de Março de 1989, volta-me sempre à memória. Pelos almoços festivos dos primeiros anos da década de setenta, pela madrugada desse dia no ano de 1974, por todos os outros almoços em que foi legítima a minha presença numa consagração que lhes pertencia e da qual eu era fruto, único fruto.
Mas estava eu falando do meu 25 de Abril, mais precisamente o de 1974. Acordei  mais cedo do que seria normal para um dia de semana. Acordei porque senti as vozes da rádio na sala, dita de "estar". O “rádio”, peça de mobiliário digna de adoração, tinha no seu interior o primeiro gira-discos que eu vi na vida. O estar sentado a ouvir rádio era um luxo de classe média que o ordenado do meu pai permitia. Nessa madrugada a posição curvada da minha mãe, olhar fixo nos números do mostrador das frequências, robe vestido por cima da camisa de dormir, tirava-lhe essa magia e emprestava-lhe uma gravidade que me assustou. Cheguei-me devagar ao pé dela e sentei-me a seu lado, ela aconchegou-me sem tirar os olhos do mostrador luminoso. Passou algum tempo até que me dignasse perguntar alguma coisa. Não me lembro exatamente da pergunta mas recordo perfeitamente a resposta, “Um golpe de estado”, ainda não era da revolução que se falava nessas primeiras horas. A minha mãe tinha sido avisada pelo meu pai. Trabalhava por turnos na refinaria de Cabo Ruivo, parece que estavam militares na portaria e não o deixavam sair às oito como seria normal. Perguntei-lhe o que era um “golpe de estado”. Penso que tentou explicar-me mas eu não devo ter entendido.
Entendi depois porque tinham, no ano de 1973, ido uns senhores de fato e gravata buscar o meu pai para uma conversa matinal em Caxias. Fiquei a saber que aquele seu colega, vinte anos mais novo e que lhe ia ensinar matemática, tinha morrido num atentado de extrema-esquerda. O meu pai, aluno tardio do actual ISEL, andava no primeiro ano do curso que o habilitava a chamar-se “agente técnico” e que depois de grandes controvérsias com o Técnico (o da Alameda) se apelidou de “engenheiro técnico”, tinha na boa vontade desse jovem a moleta que o ajudava a superar as dificuldades do horário e os problemas respiratórios do filho. Não me lembro do nome do “rapaz”. Para sempre ficou “rapaz” na minha memória, cabelo grande e barba descuidada, mãos finas e compridas num corpo esguio e frágil, sempre me fizera festas na cabeça à entrada de minha casa. A sua mãe reconheceu-o pela roupa, pelos restos que a bomba não destruiu. Na sua agenda encontrava-se o número de telefone do meu pai.
Só depois do 25 de Abril de 1974 é que percebi as palavras escritas nas paredes dos subúrbios onde se pedia o fim da guerra colonial. As letras vermelhas ou pretas que gatafunhadas à pressa testemunhavam um descontentamento crescente não faziam parte dos meus ensinamentos, quanto menos eu soubesse menos eu poderia contar, como confiar na discrição de um menino de sete anos, o que haveria para dizer?
Havia muito para contar, que o digam os anos que se seguiram atá à década de oitenta. Anos loucos de frenesim constante, de sonhos de esperanças, de medos e desencantos.
Hoje o meu “vinte cinco de Abril” é essa madrugada em que o mundo se abriu e eu descobri que não vivia sozinho no meu bairro suburbano da reboleira. Não vai ser a notícia de um discurso infeliz, para não lhe chamar outra coisa, que me vai estragar essa memória. 

2013-04-23

O grafismo da minha escrita


Que pena tenho eu de não poder mostrar o grafismo da minha escrita. Resumia-a a um programa informático que descodifica pensamentos em letras elaboradas, inventadas por quem achou que bastavam. Procuro no meio de tantas opções a opção certa sabendo de antemão que nunca será a correcta. Tão pouco de mim a não ser isso mesmo, a tradução, descodificação alinhavada, palavras passadas a fino pelo corrector automático que um dia se impôs no processador avisando-me de acordos com que eu não concordei, ou concordei pelo silêncio. E no entanto tudo sairá igual, destino traçado pelo modo automático com que o defini num dia de preguiças residuais. Enquanto escrevo vou-me apercebendo dos erros, as linhas vermelhas, ondulantes, que sublinham palavras fora das normas e eu penso nas normas, na facilidade com que as normas se impõem, se sobrepõem a tudo o que faço. Não será fácil fugir-lhe quando tudo está preso. Às vezes penso se estou dependente das opiniões, das visitas estranhas em países de atlas onde o português não pode ser mais que uma tradução automática. Às vezes penso que não são os autóctones. Os leitores, imagino-os portugueses de longínqua coragem, refugiados da impotência de rectângulo marginal nas margens marítimas de uma Europa milenar. E voltando aos erros, não sei se os deva corrigir, se corrijo só metade, se será a metade correcta e se depois da aceitação alguma norma terá sido seguida. Longe vai a disciplina de português que aprendi na escola quando ainda não sabia quem era. Hoje tudo é tão fútil, tão necessitado de renovação constante, Darwin linguístico em passo acelerado para depois nos dizerem que não. Deita fora essa língua que não presta, aprende das que te darão o futuro e no futuro lambe essa primeira língua como a recordação de um seio materno já morto. Que estou eu escrevendo? Fossem estas linhas, tinta numa página e o desentendimento gráfico tornar-se-ia percetível. Não são, são 0 e I´s numa simbologia binária que me permite divulgá-la.  Tenho pena que não seja o papel escrito. Reservo para mim essa escrita manufacturada, a tinta desenhada que me permite aferir de disposições psicológicas. O desabafo por aqui fica, a pequena reflexão pós digestiva que um sol primaveril aqueceu e iluminou. A edição será rápida, com a rapidez e a comodidade de um clique…ou dois…que importa quando os dedos já nem os sentem? O texto que queria escrever já está feito, manuscrito, que perda de tempo neste século XXI tão cheio de pressas. Chego ao fim com a sensação de que já estou desactualizado. Como tudo neste mundo frenético, já não valerá a pena ler isto…e apenas passaram alguns minutos…

2013-04-18

Alucinação.....

Hoje sinto-me aliviado, ponto final. Recebo a notícia num pequeno espaço da primeira página do público (três centímetros quadrados que apontam para a página 6), SUBSTÂNCIAS “PARA FAZER RIR E FLUTUAR” PROIBIDAS HOJE. Mesmo sem saber do que se tratava imaginei que tinham sido proibidos os funcionários políticos ditos dos partidos. Imaginei os franchisings PS e PSD (Dos outros não falo porque não chegaram a criar verdadeiros dependentes, tão dependentes que até chateiam, viva a corja 1980/2013, viva o mundo alucino-democrático) a fechar portas, proibidos de manter o povo sob o seu efeito psicotrópico. Ainda não li a notícia e já me babo no prazer bárbaro de ver encerrar aquelas lojas de alucinados incorrigíveis que me esfolam todos os dias para me manter viciado. Sim, eu não me esqueci do que ri quando soube de beneméritos pensadores, homens do cartão, rapazes de curso feito e bem feito, doutores e advogados de leis que me cocegavam com as suas reformas precoces em nome de um serviço, direi eu que mau, público, decidiram sobre si mesmos em nome de uma constituição que me obriga a mais horas, a menos reforma, à deselegância privada, a uma justiça que só é justa para quem pode suportar anos de recursos (espero eu o dinheiro que me retiraram injustamente em dias de greve fictícios, o que eu flutuei…). Ai! Pecado! O Paulo é contra a constituição! O Paulo é contra a falta de equidade? Sim, sou! Só hoje é que repararam que não existe equidade? Afinal a droga que vendiam era bem mais forte do que eu pensava. Sim, mas não foram só os senhores doutos, juízes de nome, cartão na mão, ora com “D” ora sem “D”. E eu alucino que existe oposição e aparece-me um senhor de gravata azul com cara de bebé a dizer que não concorda e a loja continua aberta e vendem-me Morais, e Rebelos e Sócrates e Leites e quadraturas circulares que mais parecem espirais. Por favor digam-me que é verdade, que finalmente proibiram essa corja de me vender tanta droga de má qualidade. A minha ressaca é imensa, talvez o resto da minha vida não chegue para a curar. Sim, o que eu flutuei, imaginação pervertida, invertida pois sempre estive no fundo. Será por acaso que os homens vão para a Colômbia? Tanto que eu ri e flutuei…Levo o Douro numa mala e um espelho para me barbear, porra, lá estou eu a rir e a flutuar, ainda com os efeitos da última dose…tinha um nome bonito…ahhh…RTP….SIC….TVI….Já não me lembro, às tantas de tanto rir baralham-se-me as ideias e os nomes….Sim, pode o português ficar descansado, vamos todos deixar de rir e de flutuar, a promessa é de choro, de ressaca, de miséria, depois de fechadas as lojas os ratos fogem do banco…desculpem, do barco, qual o nome do barco?...BPN? e eis que chego à outra notícia…EX-DONOS DO BPN VÃO-NOS TRATAR DA SAÚDE…Ainda não devem ter fechado as lojas, a alucinação persiste…seis mil milhões, sete mil, oito mil dez mil milhas por cima do reino dos bacalhaus…o que é português é bom desde que venha da Noruega…ou será da Alemanha…Deutchland, Deutcheland, Ubber Alles!!!! Ou lá como eles queiram gritar (o meu corretor ortográfico só alucina em português…por enquanto). Dizia eu que me sentia aliviado…afinal parece que a montanha pariu um rato…são apenas quarenta lojas que competiam com o mercado ilegal de cocaína, heroína, marijuana, haxixe, anfetaminas, ácidos e outras misturas…Ainda não é desta que me curo, a desintoxicação prometida está para as calendas…começo neste momento a rir, vocês não estão a ver mas é verdade, sinto os meus pés a levantar….estou a flutuar…estou a……….AAAAHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!!!!!